Palestra aborda importância da água e alerta sobre escassez
Se há algo irrefutável é o fato de que não podemos substituir a água por qualquer outra substância. Não existe água artificial. No entanto, apesar de necessitarmos deste recurso vital para viver, ela vem se tornando cada vez mais escassa – e o que ainda podemos usufruir não é tratada da maneira apropriada. Este é o dilema principal apresentado pelo químico e pós-graduando em engenharia sanitária Márcio Luiz Rocha na palestra do “Qualidade de Vida” na tarde desta quarta-feira (22), na sede da Afubesp.
“Estamos quebrando a ‘maquininha’, já estamos esgotando nossa capacidade de consumo”, alertou o pesquisador aos presentes. De acordo com ele, o homem cria uma série de condições modificando a natureza para avançar em suas próprias conquistas, mas se exime de culpa das consequências do uso desenfreado. Pensar que daqui a um tempo poderemos ter racionamento de água não é diferente das “catástrofes” climáticas: é apenas o desdobramento de como lidamos com o assunto. “A população só percebe que estamos em um nível crítico quando há falta de chuvas, quando os reservatórios baixam”, disse.
As projeções não são nada otimistas: de acordo com projeções divulgadas pelas Organização das Nações Unidas (ONU), tanto a Bacia do Mediterrâneo, o oeste dos Estados Unidos, o sul da África e o Semiárido brasileiro terão seus níveis de água drásticamente reduzidos até 2050. O Mar de Aral, lago localizado na Ásia Central que já foi o quarto maior do mundo, desapareceu após um processo de salinização e mau uso de recursos. Há de se considerar que o Brasil abriga 12% da água doce do planeta. Ao exemplo de recursos como o petróleo, já há a disputa por água no mundo, inclusive o contrabando.
Perdas de água, agravamento da escassez hídrica e comprometimento da qualidade
A disponibilidade de água vem dando sinais de crise há alguns anos, de acordo com o especialista. A Bacia do Alto Tietê, por exemplo, já é enquadrada no nível crítico entre as 22 bacias hidrográficas da região metropolitana paulista. Apesar disso, o índice de perdas de água da Sabesp (por defeitos nas tubulações e vazamentos) atingiu 26% do total distribuído em 2009.
A ocupação da área de mananciais pela população, como no entorno da represa de Guarapiranga, influencia na queda da qualidade da água daquele reservatório. Entretanto, o palestrante lembrou aos participantes do evento que não se pode culpar as comunidades por isso. “Quais políticas vêm sido empregadas para evitar que as pessoas morem em áreas de mananciais? Há espaço para elas?”, questionou.
São assuntos que podem ser resolvidos a nível local com a intermediação dos governos estaduais, evitando tanto um racionamento quanto a perda da qualidade da água a ser consumida. Rocha trouxe uma questão interessante ao debate: cerca de 75% dos cemitérios públicos têm problemas ambientais e sanitários. “Não faz mais sentido enterrar ninguém no cemitério da Consolação (região central), por exemplo. Há riscos de contaminação das galerias pluviais pelo chorume destes locais”, exemplificou.
Nao há como falar de água sem debater sobre os resíduos sólidos – ou, simplesmente, do lixo. “A população precisa se questionar para onde vai o lixo que consome. Não há mais para onde levar os resíduos em São Paulo, é um caso sério”, disse. A coleta seletiva e a reciclagem também está aquém do necessário.
O mito do papel higiênico
Nossos pais e avós sempre nos orientaram que jogar papel higiênico no vaso sanitário entope o encanamento. Mas, o que nós pouco sabemos, é que em alguns países como Estados Unidos e Canadá, não existe o famoso “cestinho” no banheiro. O hábito é exatamente descartar o papel usado na privada porque o material utilizado para este papel é biodegradável – ou seja, desmancha na água da descarga. “Em nosso país há interesse de empresas para que o papel higiênico seja quase que impermeável, impossibilitando este modo de descarte”, pontuou Rocha. Com isso, o montante de resíduos continua crescendo e mais doenças são transmitidas por meio dos insetos.
Este assunto é novidade para o público, como foi o caso do aposentado José Matias Carvalho. “Esta do papel foi muito importante saber, assim como a questão das bacias hidrográficas. São assuntos que interessam a todos”, comentou o participante do Qualidade de Vida.
A questão do saneamento
Em definições da Organização Mundial de Saúde (OMS), o termo saúde significa o completo bem estar físico, mental e social do indivíduo, não apenas a ausência de doenças. A saúde pública, portanto, é a ciência de promoção de saúde da população. Ou seja, pelo o que temos de lutar e cobrar para obter.
O planejamento urbano, utilizando o caso da região metropolitana de São Paulo, apostou em mecanismos em gestões passadas dos quais hoje arcamos problemas graves como as enchentes, segundo Rocha. A situação do saneamento básico é grave em alguns pontos.”Tem localidades que não têm tratamento de esgoto e lançam direto no rio Tietê”, pontou. Um dos desafios, segundo ele, é expandir o saneamento também para as extremidades da cidade – aquela além dos locais mais próximos ao centro e bairros nobres.
>>> De acordo com informações do Ministério das Cidades divulgadas em 2010, de todo o esgoto gerado no país, apenas 37,9% apresentavam tratamento. Confira mais dados referentes ao saneamento no site do Trata Brasil.
Os rios, que antes eram meandros, foram canalizados e hoje agravam a situação das enchentes no período de chuvas. “Antes dos rios serem canalizados e transbordarem, as pessoas podiam até pescar na zona norte de São Paulo”, ressaltou. Com isso, a administração municipal precisa investir na construção de bolsões e piscinões para conter a água.
>>> Leia mais sobre os rios que passam debaixo das ruas de SP: Rios e Ruas revela onde estão os rios de São Paulo
Letícia Cruz – Afubesp
Fotos: Camila de Oliveira