Envelhecimento ativo é plural e enfrenta desafio da inclusão integral na sociedade, diz especialista
A cada vinte segundos, surge uma pessoa com mais de 60 anos no Brasil, idade essa que marca o início da fase idosa de alguém, ao menos no papel. É a chamada “Revolução Prateada”, uma vez que o consumo dessa parcela da população aumenta, levando em conta que a parcela de jovens, num fenômeno já explorado, está estagnada. Enquanto isso, a mão de obra dos idosos ainda é necessária para rodar a economia, tal como seu consumo. O assunto foi destrinchado em um dos painéis do Fórum São Paulo da Longevidade, em sua sexta edição, realizado em São Paulo entre 29 de setembro e 1º de outubro.
A Afubesp traz uma série de reportagens sobre o assunto tão vasto e complexo. O texto de abertura debate sobre os desafios do envelhecimento nas grandes cidades, especialmente São Paulo, uma capital tão destoante.
O evento vai de encontro a outros debates globais, como na Europa, mais especificamente em Berlim (Alemanha), que enfrenta o fenômeno do envelhecimento ativo parecido com o brasileiro. Isso, indispensavelmente, passa por políticas públicas que precisam garantir a saúde, autonomia e participação social com dignidade e respeito, sem ressoar velhos preconceitos de uma fase de perdas. Ainda sobre o papel do Estado, a organização do evento levanta a bandeira de que há iniciativas inspiradoras ao redor do mundo e, além disso, todos temos a responsabilidade de garantir um ambiente seguro ao idoso.
Envelhecer na cidade – principalmente num país extremamente desigual – é o desafio apontado por Alexandre Kalache – professor, médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade, ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, docente em Oxford, sempre elevando o tema da longevidade. Seu trabalho eliminou, inclusive, o termo “velhice” como código internacional de doenças.
Segundo ele, o envelhecimento ativo não é apenas um envelhecimento saudável. É plural: podemos ter deficiências, doenças, até pobreza. Mas o importante é que tenhamos o direito de participar integralmente da sociedade.
Para a OMS a fase idosa está baseada em quatro pilares: saúde, conhecimento ao longo da vida, o direito de participar da sociedade, e a proteção de que o indivíduo não envelhecerá desdenhado e negligenciado. “E essa, infelizmente, é a realidade de uma imensa maioria de nossa população”, lamenta Kalache.
Nas muitas nuances que a sociedade brasileira apresenta, o professor aponta que envelhecer não é nada homogêneo. “Num país hedonista, racista, fazemos questão de negar as disparidades. Como disse Betinho (o sociólogo e ativista Herbert de Souza), quem tem fome tem pressa. Pois a velhice também tem. Não temos mais vinte, trinta, quarenta anos adiante. Queremos ter a dignidade e o poder de participar, já!”, cravou o especialista.
Tempo é divindade
“Não tenho medo do envelhecer, pois faz parte do viver”. Diante de uma plateia predominantemente de brancos, a multiartista Mona Rikumbe, ativista e primeira mulher preta cadeirante a atuar no Teatro Municipal de São Paulo fez seu ponto. Ela, e outras milhões de pessoas em sua situação, quer ter vida em seus dias, não apenas dias de vida.
Mulheres, predominantemente negras, historicamente tem como papel cuidar dos seus – da sua comunidade, da família, da família de outras famílias. “Acolher é um verbo conjugado muito entre nós da periferia. Não é uma prática cultural de que é de fora. A gente sabe o que é acalentar, mimar. Essas palavras que aquecem o coração são do meu povo. Quando as mulheres negras se juntam, toda a sociedade anda com elas”, ressaltou.
Sob sua perspectiva, todas as dores são urgentes, são pra hoje. “Uma economia que não é capaz de dar prazer para todos, é uma mentira. Infelizmente, não podemos dizer que a sociedade é longeva – depende da cor, depende de onde, depende da idade”, disse. É papel de todos construirmos uma sociedade antirracista, antimisógina, anticapacitista. Isso é urgente, para hoje! “Uma economia que não é capaz de dar prazer para todos é uma mentira.”
Finalizando sua participação, Mona recitou um poema de Mário Quintana, que fala exatamente sobre o tempo.
“A vida é um dever que trouxemos para fazer em casa
Quando se vê, já são seis horas
Quando se vê, já é sexta-feira
Quando se vê, já é Natal
Quando se vê, acabou o ano
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida
Quando se vê, passaram cinquenta anos
Mas agora é muito tarde pra ser reprovada
Mas se fosse me dado um dia, outra oportunidade, nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente.
Iria jogando pelo caminho as cascas douradas e inúteis das horas.
Olharia o amor em minha frente e diria: eu o amo.
Não deixe de fazer o que gosta pela falta de tempo
Não deixe de ter pessoas ao seu lado. A única falta que terá será deste tempo, que nunca voltará!”
Letícia Cruz – Afubesp