Qualidade de Vida: Visita à Casa Ema Klabin entrelaça história da arte e memória dos nossos tempos
Em meio às ruas sinuosas do Jardim Europa, bairro nobre de São Paulo, um casarão elegante se destaca discretamente na Rua Portugal. Protegida por imponentes ciprestes e envolta por um silêncio quase reverente, a Casa Museu Ema Klabin abriu seus portões, na tarde do dia 28 de maio, para receber o grupo do projeto Qualidade de Vida, para olhar na fechadura da história, da arte e da memória de uma das maiores colecionadoras do Brasil.
Logo na entrada, os visitantes foram recepcionados por um dos tesouros da propriedade: o jardim meticulosamente projetado por Roberto Burle Marx. Com sua vegetação exuberante e um espelho d’água habitado por carpas coloridas, o cenário prepara o espírito para o que viria a seguir — uma visita que ultrapassa o simples olhar estético e adentra o cotidiano de uma mulher à frente de seu tempo.
O percurso teve início pela cozinha, o cômodo mais simples da casa, mas que carrega a potência do cotidiano. Foi ali, entre utensílios e louças discretas, que a visita ganhou contornos mais íntimos — uma oportunidade de vislumbrar o lado humano de quem morava na mansão.
Ema Klabin, retratada em fotografias e descrita com carinho pelos guias, surge como uma figura marcante: expressão acolhedora, cabelos cuidadosamente penteados e uma mecha branca característica próxima à têmpora direita. Filha de imigrantes judeus lituanos, Ema herdou não apenas a fortuna da família Klabin — uma das maiores indústrias de papel e celulose do país — mas também o espírito empreendedor e o amor pela arte.
Ao percorrer os salões da casa, percebe-se que o imóvel não foi apenas residência. Era também ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos, e, sobretudo, um refúgio para as mais de 1.500 peças que compõem seu acervo, algumas delas datadas de catorze séculos antes de Cristo. Estão ali raridades da arte oriental, pratarias europeias, tapeçarias persas, esculturas africanas e obras de mestres como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Frans Post, Pierre-Auguste Renoir, Lasar Segall e até Cândido Portinari.
Quando em vida, a dona da casa mantinha hábitos regulares. Tomava café da manhã na cama e arrumava-se para o dia ainda no quarto. Passava o dia lendo ou recebendo amigos e família na biblioteca e na sala de música, onde quase sempre tocava seu piano. No jardim, gostava acompanhar o crescimento de suas orquídeas.
Cada cômodo parece conter um segredo, cada peça uma história. Ema organizava sua coleção com curadoria pessoal, zelando por cada detalhe da exposição interna de sua casa — que viria a se transformar, após sua morte em 1994, em uma fundação pública voltada à preservação cultural.
A visita foi também uma oportunidade de refletir sobre o papel das mulheres na arte e na filantropia no Brasil do século XX. Ema, além de mecenas, administrou os negócios da família e investiu pesadamente na vida cultural da cidade de São Paulo. Ema ajudou até mesmo na construção do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Como curiosidade, soube-se que sua irmã Eva Klabin, igualmente apaixonada por arte e viagens, fundou um museu no Rio de Janeiro. Segundo o guia que acompanhou o grupo, as irmãs dividiam o gosto refinado e muitas vezes compartilhavam obras entre si. Assim, visitar também o espaço de Eva no Rio torna-se uma extensão natural da experiência — quase como completar um círculo artístico e afetivo.
Ao final do passeio, saía-se da casa com a impressão de que Ema, mesmo ausente, ainda habita seus corredores. Sua presença permanece viva nas obras que escolheu, nos móveis que organizou, no jardim que mandou plantar. Visitar a Casa Museu Ema Klabin é, acima de tudo, visitar a mente e o coração de uma mulher que transformou seu lar em legado.
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Letícia Cruz – Afubesp