Entrevista: Dr. Marcelo Engracia sugere mudança na rotina para um envelhecimento saudável
“A saúde é o calcanhar de Aquiles do trabalhador bancário.” Difícil de ser refutada, a afirmação é do professor doutor Marcelo Engracia Garcia, médico gastroenterologista. Em entrevista à Afubesp, ele fala dos malefícios da pressão no trabalho – principalmente no ofício bancário – e conversa sobre métodos para obter qualidade de vida por meio de uma melhor alimentação para um envelhecimento mais saudável. Leia na íntegra:
Afubesp – Logo de início, gostaria de falar sobre as pessoas idosas. A proporção de idosos na população brasileira está crescendo. Hoje, a expectativa de vida do brasileiro é de 73 anos. Como a medicina preventiva pode contribuir para a longevidade?
M. E. – Fui durante muito tempo da Cabesp e, depois que saí de lá, continuei atendendo o pessoal (banespiano) no consultório. Quando a gente estava na administração da Cabesp, acompanhamos o estudo de um pessoal do Banco do Brasil, sobre índice de doenças degenerativas entre docentes da USP. Antes de pensarmos em medidas de prevenção, precisamos fazer o “arroz com feijão”, que são os exames de rotina e tem de ir ao médico toda vez que tiver um problema de saúde.
Existem doenças evitáveis e as não-evitáveis. Você nunca pode prescindir seu hábito alimentar. Você pode comer a mistura que você quiser, mas não pode deixar de comer o arroz e o feijão. O paciente pode fazer uma série de medidas, mas não pode deixar de fazer o check-up anual e de ir ao médico toda vez que tiver algum problema.
A – Dizem que uma das principais armas para a viver mais é fazer check-ups, acompanhar sempre a condição física. Tirando esta parte clínica, o que o sr. recomenda que os leitores façam quanto à outros aspectos, quanto à alimentação, por exemplo?
M. E. – Podemos enumerar algumas medidas preventivas. A primeira é o que podemos chamar de aristocrática. O que faz uma pessoa que não tem compromisso? Acorda cedo, faz um ótimo café da manhã, três horas depois faz um lanchinho com chá. É importante manter a atividade laboral e a física, também. O importante é fazer alguma coisa, não só ficar em casa.
A – Esta rotina para um bancário da ativa é praticamente impossível, não?
M. E. – Falo isso principalmente para o aposentado, mas vale para todo mundo. O que é uma rotina aristocrática? É comer a cada três horas, tomar café da manhã, almoço e um jantar num lugar tranquilo, sendo o jantar longe da hora de dormir, e o sono de pelo menos oito horas por dia. Isso é um aristocrata. Primeiro é isso e depois é o resto. O aposentado, na maioria das vezes, não tem de tomar ônibus todos os dias, comer correndo em um fast food.
O trabalhador da ativa tem de, ao máximo que puder, se aproximar disso. O estômago é um órgão aristocrata, só aceita e se sente bem se está num ambiente tranquilo.
A – Há diferenças entre ocorrências de problemas de saúde entre homens e mulheres? Se sim, quais os motivos?
M. E. – Sim, existem algumas doenças mais frequentes dependendo do sexo. As doenças do aparelho digestivo alto se distribuem igualmente, mas, por exemplo, os tumores do intestino são mais frequentes nos homens. Os problemas de vesícula são mais frequentes nas mulheres.
A – O que pode ser feito para evitar esta complicação?
M. E. – A vesícula é um órgão que não deveria existir. A mulher típica que tinha doença na vesícula era a mulher com mais de quarenta anos, com muitos filhos, gordinha. Tudo o que você tirar da dieta de gordura, que dá para evitar, menor a chance em longo prazo de ter problema na vesícula.
A – Estamos em uma discussão importante sobre a terceirização do trabalho, por conta de um projeto de lei em trâmite no Congresso. Muitas das denúncias de funcionários terceirizados em bancos dão conta do controle da chefia para coisas básicas, como ir ao banheiro ou almoçar. O Sr. pode falar um pouco mais sobre os malefícios que estas rotinas podem trazer à saúde do trabalhador?
M. E. – A saúde é o calcanhar de Aquiles do trabalhador bancário. Segundo Marx, o trabalhador vende sua força de trabalho, o que significa que ele trabalha um dia e, no dia seguinte quando acorda, tem de estar com a mesma saúde e disposição de fazer uma atividade que vai ser vendida. No sistema bancário isso não acontece, e as pessoas acabam perdendo sua saúde. Isso só vem piorando nos últimos anos, inclusive com a terceirização dos serviços.
Se agrava por conta da proletarização do trabalhador bancário. Com as junções dos bancos, com a extinção do Banespa, com a entrada de capitais altamente predadores e especulativos como a mídia define pessoal do Santander. A primeira coisa é algo inerente ao bancário que se chama “síndrome do trabalho vazio”: um jardineiro vai na sua casa e trabalha o dia todo. Quando ele chega em casa, conta para o filho que fez o jardim e no fim do dia ele estava todo florido. O caixa chega de manhã, abre o caixa, trabalha o dia todo. No fim da tarde, se ele tiver sorte ele fecha o caixa, senão terá de fazer horas-extras para compensar. O sonho dele é quando se aposentar, porque ele não tem nada do que falar do trabalho dele, não houve a construção de coisas.
Este vazio é o principal fator das lesões, das DORTs. Trabalhando sem motivação, se está mais sujeito a ter problemas. A mesma coisa é você comer com raiva de algo, a comida irá te fazer mal.
O assédio moral também agrava estes problemas, como a gastrite. Sofrendo pressões, não tendo direito a fazer refeições, trabalhando em lugares insalubres, começa a ter alguns sintomas, como a dor de cabeça, pressão alta, diarreia, e isto pode culminar em alguma doença, além dos problemas psicológicos. Na refeição, pode até ser um boteco, mas que seja um lugar tranquilo, sem barulho.
Uma vez, um colega digitador que era uma liderança do Banespa na época, me procurou para saber o que estava acontecendo. Quando ele lia a convocação para assembleia do prédio dele, não conseguia entender o assunto. Ele estava tão condicionado a escrever letra por letra que não conseguia juntar mais as palavras para montar frases.
A terceira questão envolve o tipo do trabalho. O bancário lida com pessoas e transforma em números, e isso gera angústia. Ele não consegue dar atenção aos filhos quando chega em casa pois não se desliga desta pressão.
A – Gostaria de ouvir um pouco do sr. sobre alguns de seus estudos, como por exemplo, sobre os efeitos da comida requentada no organismo.
M. E. – Estes fatos são da literatura médica. Primeiro, a questão da alimentação. Há uma grande relação entre os alimentos extremamente quentes e a presença do câncer de esôfago. Há incidência maior de câncer de estômago de indivíduos que se alimentam do arroz fermentado (ou a comida japonesa). Há presença maior de câncer de intestino nas pessoas que se alimentam de comida requentada.
A – Este fato se dá por conta do quê, exatamente?
M. E. – Por causa de toxinas no alimento. O arroz não pode ficar exposto a uma temperatura maior nos lugares que servem refeições por quilo, porque isso pode causa infecções, além de poder ter efeito cancerígeno. O certo é, logo depois que fizer a comida, o que sobrar deixar ainda quente na geladeira.
É muito mais importante a forma de saber como faz a refeição, a situação que cerca. Gostaria de acrescentar sobre a ingestão de álcool. A não ingestão do álcool é um ponto muito importante para a prevenção de doenças. Não existe nada benéfico, a não ser algo específico sobre a ingestão um pouco de vinho tinto.
O álcool e do cigarro são coisas cumulativas. Os danos que eles fazem são permanentes, não é possível reverter.
A – Para finalizar, o senhor tem algum recado ou recomendação para o banespiano aposentado ou funcionário da ativa que busca ter mais qualidade de vida?
M. E. – Quem está na ativa, lutar por melhores condições de trabalho e quem está aposentado procurar uma atividade de cidadania, se dedicar a algo que goste. O aposentado precisa, muitas vezes, recuperar a autoestima.
Letícia Cruz – Afubesp
Foto: Camila de Oliveira