Diabetes não define quem somos; A forma como lidamos com ele, sim
Há quase dez anos, ignorei totalmente os sinais vermelhos que meu corpo emitia, tal como costumamos normalizar viroses e resfriados. Até que, num sábado à noite, entrei em blecaute e despertei numa maca fria, coberta de cateteres e eletrodos. Minha visão era turva e estava em confusão mental, mas ainda assim conseguia ouvir médicos procurando saber o que se passava comigo.
Foi só quando o resultado do hemograma completo chegou às mãos dos médicos que foi recalculada a rota: minha glicemia estava quase cinco vezes acima do nível considerado como normal, o que desencadeou uma cetoacidose, consequência da hiperglicemia. Trocando em miúdos, meu sangue estava ácido ao ponto de exalar um odor similar ao da acetona.
Até aquele dia, sentia as batidas cardíacas aceleradas, sede excessiva, urgência para urinar, fraqueza, emagrecimento abrupto e distúrbios intestinais. Por semanas a fio, ouvi dos médicos que esses eram sintomas compatíveis com uma crise de ansiedade.
Mas, na realidade, o que veio finalmente foi um diagnóstico de diabetes precoce, tipo 1 (ou juvenil, como era denominado antigamente) . Por ser uma condição autoimune, quando o próprio corpo age para atacar o pâncreas, saí do hospital insulinodependente e lidando com a informação de que aquilo teria que se adequar à minha rotina, algo sem cura.
Por muito tempo, não tive outra reação a não ser questionar se, nas minhas idas anteriores ao pronto-socorro, tivessem feito o exame rápido de destro (aquele do furo no dedo), eu teria sido poupada dos mais de dez dias de internação numa UTI que seguiram. Ou, ainda, o porque eu fui a “sorteada”, ainda nos meus vinte e poucos anos.
Descobrir uma doença crônica também é um luto — significa romper com uma vida que existia e iniciar outra, cheia de limitações, medos e cuidados extras.
É uma doença complexa e que age silenciosamente. Ela não poupa faixa etária, gênero ou estilo de vida, ainda que o fator socioeconômico seja um fator que contribua no desenvolvimento do diabetes tipo 2. Por isso, a importância de sempre estar atento aos sinais e realizar exames regularmente. Em tempo, cada organismo possui uma forma única de resposta aos tratamentos indicados pelo médico endocrinologista.
Viver com essa condição foi, é e continuará tendo seus altos e baixos, literalmente.
No dia 14 de novembro, como parte do Novembro Azul, celebra-se o Dia Mundial de Prevenção ao Diabetes, mas campanhas de conscientização precisam ser rotineiras. Estima-se que mais de 800 milhões de adultos entre 20 e 79 anos vivem com diabetes no mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Isso significa que todos os dias milhares de pessoas também carecem de informação clara e sem preconceitos embutidos — assim como precisei um dia.
As faces do diabetes
Graças à ciência, hoje é possível refinar diagnósticos e garantir o melhor tratamento, respeitando as diferenças entre cada tipo da doença. O diabetes tipo 1, como o meu, é uma condição autoimune: o sistema imunológico ataca as células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina. Sem ela, o corpo não consegue metabolizar a glicose. O tratamento é feito com aplicações diárias de insulina e monitoramento constante dos níveis de glicemia.
O tipo 2 é o mais comum e está relacionado à resistência à insulina, muitas vezes associada ao sobrepeso, sedentarismo e fatores genéticos. Apesar de mais prevalente em adultos, tem crescido entre jovens. Pode ser controlado com mudanças no estilo de vida, medicamentos orais e, em alguns casos, insulina.
O diabetes gestacional aparece durante a gravidez e geralmente desaparece após o parto, mas merece atenção porque aumenta o risco de complicações e de desenvolvimento do tipo 2 no futuro.
Há ainda formas menos conhecidas, como o LADA (diabetes autoimune latente em adultos), que se manifesta mais lentamente que o tipo 1, e o MODY, de origem genética, diagnosticado principalmente em jovens com histórico familiar forte.
E, recentemente, a Federação Internacional de Diabetes (IDF) reconheceu uma nova categoria: o tipo 5, também chamado de diabetes associado à desnutrição. Ele costuma afetar pessoas jovens, com baixo peso e histórico de desnutrição — um problema de saúde pública que ainda carece de pesquisas e políticas específicas. Esse reconhecimento é importante porque ajuda a direcionar o tratamento correto, evitando confusões com os tipos 1 e 2, e amplia o olhar sobre as diversas realidades do diabetes ao redor do mundo.
Convivência e consciência
Viver com diabetes é aprender sobre o próprio corpo todos os dias. É entender que o controle vai além da glicose: envolve o equilíbrio emocional, o autoconhecimento e, sobretudo, a empatia. Há dias bons e ruins, e tudo bem! O importante é não transformar o diagnóstico em sentença. Com informação e acompanhamento médico, é possível viver plenamente.
Mas também é essencial olhar para o outro lado dessa história, que é o das pessoas que ainda não sabem que têm a doença. Muitos só descobrem após uma complicação grave, como aconteceu comigo. Por isso, a lembrança precisa vir acompanhada de ação. Fazer o exame de glicemia, cuidar da alimentação, praticar atividade física e buscar acompanhamento regular são gestos simples que podem salvar vidas.
Artigo por Letícia Cruz – Afubesp








