VEJA ARTIGO “BATE, MAS ESCUTA.” DO DEPUTADO ALOIZIO MERCADANTE
Reproduzimos artigo do deputado federal Aloizio Mercadante, publicado na edição de domingo, 16, no caderno Dinheiro do jornal Folha de S. Paulo.
O artigo critica a postura do governo de tentar desqualificar as denúncias apresentadas pelo deputado na CPI dos Bancos e cita, entre outros dados, a venda de bradies pelo Banespa em condições muito favoráveis para o comprador Morgan.
“O empenho dos bancos, do governo e sua base parlamentar em abafar as graves denúncias sobre o comportamento de alguns grandes bancos na crise cambial é absolutamente inaceitável. Tenho sido duramente atacado, as investigações não avançam, o governo prefere o papel de pizzaiolo do que o de suspeito sob mira da CPI.
Este cenário me lembra uma passagem na antiga Grécia quando o general ateniense Temístocles, 525 a.C., defendia a resistência grega contra a invasão de Xerxes. O comandante de todas as forças confederadas, general espartano Euribíades, que sustentava a posição de retirada das forças gregas, no calor do debate levanta seu bastão de comando e parte para atingir o rosto de seu oponente. E Temístocles, calmo e senhor de seus argumentos, responde : – Bate, mas escuta! É a mesma resposta que ofereço aos meus oponentes.
Todos os fatos que estão sendo apurados vieram a tona com as minhas denúncias de 23 de fevereiro, inclusive o caso Marka-FonteCindam. Meu depoimento recente na CPI foi todo construído de dados e fatos, na perspectiva de contribuir para uma estratégia consistente de investigação da CPI. Nos dias anteriores ao depoimento reiterei em diversas oportunidades o caráter da minha apresentação, totalmente oposto a qualquer forma de denuncismo oportunista ou bombástico, como foi difundido e aparentemente temiam, sabe lá porque razões, algumas esferas do governo. A CPI não pode se ater aos graves casos Marka e FonteCindam, seu grande desafio histórico é mergulhar no ataque especulativo que o país sofreu para identificar responsabilidades e elaborar um novo marco institucional para o desempenho da Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F, do Banco Central e do sistema financeiro. O país não agüenta mais transferir tanta renda para o sistema financeiro e jamais desviou tantos recursos públicos para tão poucos bancos, em tão pouco tempo como nesta crise cambial.
Minha primeira tese foi demonstrar que existem graves indícios de vazamentos de informação privilegiada que teriam propiciado ganhos espetaculares para alguns bancos e que, ao contrário da versão oficial, não houve, no mercado, um “comportamento de manada”. Havia um processo de fuga de capitais, mas os acontecimentos dos dias 11 e 12 de janeiro, que antecedem a desvalorização, são injustificáveis e agravaram o ataque especulativo que o país sofreu.
Apresentei dados do mercado pronto do dólar ( livre e flutuante) demonstrando uma situação atípica, marcada pela mudança de posição vendida para comprada no dia 12 de, pelo menos, seis instituições bancárias. Demonstrei também que na BM&F 49 bancos perderam 3,2 bilhões de reais entre 12 e 02 de fevereiro, reforçando a tese de que nem todos sabiam da desvalorização. Expliquei que as perdas não significam necessariamente prejuízo, porque podiam ter obtido ganhos em outras aplicações como os títulos públicos cambiais ( como exemplo utilizei o caso do Grupo Votorantim). Entre os que ganharam, 24 bancos explicavam 95% das transações, com um volume de R$ 10,1 bilhões. Novamente expliquei que ganho na BM&F não significava lucro, parte dos investimentos eram operações de hedge (proteção) e o que realmente determinou este ganho espetacular foi a maxi-desvalorização.
A resposta do governo foi apresentar uma tabela com erros grosseiros, como misturar pessoas físicas e jurídicas, com base na qual o líder do governo afirmava que foram “só” R$ 5,2 bilhões os ganhos com o dólar. O governo errou na tabela e inflou as aplicações com juros. Ganho com juros sempre ocorreu neste governo; ataque especulativo é quando o mercado não quer mais juros e exige o câmbio. A própria variação na taxa de juros se deve à maxi-desvalorização. A manobra do governo fez sumir da imprensa o fundamental deste ponto, que era o fato do governo, através do Banco do Brasil, com a conta 70.001 na BM&F, ter perdido R$ 7,4 bilhões do “meu, do seu, do nosso dinheiro”, transferidos para os bancos que apostaram contra o real, alguns comprando grandes volumes de dólar futuro um dia antes da desvalorização.
Outro aspecto relevante da exposição foi demonstrar que o lucro declarado pelos bancos não é necessariamente o lucro real. Apresentei dados sobre os lucros extraordinários de alguns fundos de capital estrangeiro, com rentabilidade superior a 100%, onde em sua grande maioria o único cotista é o próprio banqueiro ou a matriz do banco. Este é um dos mecanismos através dos quais os bancos transferiram imediatamente seus lucros para o exterior sem recolher o imposto de renda devido. Não por acaso dos 61 maiores bancos 42,8% simplesmente pagaram 0% de imposto de renda em 1998.
Indiquei também que o lucro declarado pelo banco Morgan Guaranty Trust, que comprou uma grande quantia de contratos de dólar futuro na BM&F, de 275,9 milhões de reais em janeiro, representa 295% do patrimônio líquido do banco e oito vezes o lucro de 1998 ! O outro banco do grupo, JP Morgan declarou um lucro de R$ 193,4 milhões, ou seja 172,4% do patrimônio. O Morgan que vinha reduzindo sua participação no Brasil, fez uma fézinha no dia 12 e ganhou pelo menos mais de dois bancos em vinte dias de desvalorização, além de ter comprado bradies em condições muito favoráveis do Banespa sem licitação ou concorrência.
Destaquei também o caso do Chase Manhathan, que além de comprar R$ 1,2 bilhões de bradies, através dos fundos de investimento no exterior – FIEX no dia 12, foi um dos bancos que organizou o processo de desestabilização do sistema no dia 29 de janeiro, forçando a desvalorização do real para se beneficiar da Ptax, taxa do último dia útil que definiria os ganhos na BM&F. Gostaria de acrescentar que no dia 22 de janeiro o boletim Chase Securities, em Nova York, publicou um artigo “Time for a domestic Brady Plan” de seu analista Lawrence Brainard, difundindo o pânico a nível internacional ao afirmar que um novo ” confisco” da moeda era iminente. No dia 29 a onda crescia, milhares de clientes sacavam suas aplicações e perdiam a rentabilidade do mês, enquanto na BM&F os bancos comprados em dólares maximizavam seus ganhos.
Disse também que meus dados subestimavam o impacto da desvalorização porque não estava analisando os títulos públicos indexados em dólar no valor de R$ 68 bilhões, nem as operações de swaps, mas seguramente o impacto da desvalorização foi superior a R$ 49 bilhões.
Os indícios de inside information e manipulação do mercado por parte do grupo Morgan e Chase Manhatan, entre outros, poderiam iniciar um trabalho mais amplo e sério de investigação da CPI, que já têm todos os elementos para enquadrar na lei de improbidade administrativa os casos Marka, FonteCindam, Chico Lopes.
Ocorre que o governo FHC e sua base de sustentação na CPI preferem abafar as denúncias do que investigar com profundidade todo o ataque especulativo que o país sofreu. A própria viagem de FHC aos EUA é mais um sinal claro que vamos nos submeter passivamente a tudo que os grandes bancos internacionais fizeram com o país.
E a propósito, o general Temístocles terminou seu discurso, venceu o debate e a Grécia resistiu e venceu a guerra. O Brasil poderia inspirar-se neste exemplo e mudar sua relação com o sistema financeiro mundial. O Brasil deveria preparar um dossiê sobre a atuação dos bancos e apresentá-lo em fóruns internacionais, fato que seguramente estimularia muitos outros “emergentes”, também vítimas do capital especulativo, a fazer o mesmo. A agenda para acabar com os 37 paraísos fiscais internacionais que lavam dinheiro sujo e estimulam a evasão fiscal, o imposto Tobin e novos mecanismos de controle sobre o capital fina
fonte: AFUBESP