UMA OPORTUNIDADE DESPERDIÇADA”, ARTIGO DE PAULO NOGUEIRA BATISTA
“A hipocrisia é a homenagem do vício à virtude”, dizia La Rochefoucauld. Eis aí o lado positivo do debate sobre distribuição de renda no Brasil. Temos, como se sabe, uma das piores distribuições de renda e riqueza do planeta.
Todos os partidos e correntes de opinião a condenam. Mas a verdade é que pouco ou nada se faz para alterá-la. É uma unanimidade eminentemente hipócrita.
Vejamos, por exemplo, o caso da reforma tributária. Embora o tema esteja em discussão há muitos anos, o aspecto distributivo da questão não tem recebido grande atenção. E, no entanto, o sistema tributário é certamente uma das causas da elevada concentração da renda no país.
As injustiças da tributação no Brasil são muitas. Os tributos indiretos, que costumam onerar mais os setores de baixa renda, têm grande peso na arrecadação. Os impostos sobre a propriedade são modestos. A falta de aparelhamento da administração tributária permite que os contribuintes de renda e patrimônio mais altos encontrem formas variadas de escapar da tributação. E o Imposto de Renda apresenta uma progressividade muito suave.
O Congresso desperdiçou ontem uma oportunidade de tornar o sistema tributário nacional um pouco menos injusto.
O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), relator do projeto de lei do governo que prorroga a vigência da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda da Pessoa Física, havia apresentado sugestões importantes, que aumentariam de forma significativa a progressividade desse imposto. Lamentavelmente, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara rejeitou o substitutivo de Berzoini e aprovou a proposta original do governo.
A orientação do relator era correta. O seu projeto se baseava em três pontos principais: a) a elevação do limite de isenção; b) a diminuição das alíquotas médias incidentes sobre as faixas baixas e médias de rendimento (em grande medida como consequência do item anterior); e c) o aumento do número de alíquotas, com elevação considerável dos percentuais nas faixas mais altas de renda.
Para o imposto retido na fonte, Berzoini propunha especificamente aumentar o limite de isenção dos atuais R$ 900 para R$ 1.000 e estabelecer quatro alíquotas: 15% para rendimentos líquidos acima de R$ 1.000 até R$ 2.000; 25% para a faixa até R$ 3.000; 30% até R$ 4.000; e 35% acima de R$ 4.000. Relativamente à situação atual, um contribuinte com rendimentos líquidos de R$ 1.800, por exemplo, teria uma diminuição de 11% na sua alíquota média. O ponto de corte seria em torno de R$ 4.500 mensais. A partir desse valor, a alíquota efetiva aumentaria gradualmente em comparação com a situação vigente.
Teria sido recomendável discutir em profundidade e eventualmente modificar as alíquotas e faixas sugeridas pelo relator. Caberia, em especial, avaliar com cuidado o impacto das alterações propostas sobre as diferentes faixas de rendimento e – o que é mais difícil- o seu impacto sobre a arrecadação do governo.
De qualquer maneira, o projeto era, de um modo geral, bastante defensável. Em entrevista à “Gazeta Mercantil”, a deputada Yeda Crusius (PSDB-RS), presidente da Comissão de Finanças e Tributação, alegou que a classe média seria sacrificada. A alegação é muito duvidosa. Não se deve perder de vista que a base de cálculo do Imposto de Renda é o rendimento bruto menos as contribuições previdenciárias, a dedução por dependentes e as outras deduções admitidas na legislação. No caso de um contribuinte cujas deduções correspondam, por exemplo, a 20% do rendimento bruto, o ponto de corte de R$4.500 acima mencionado equivaleria a uma renda bruta de R$ 5.625 mensais, nível bastante elevado num país como o nosso.
Não se deve tampouco confundir alíquotas marginais com alíquotas médias. No projeto do deputado Berzoini, a alíquota marginal máxima, de 35%, só incidiria sobre a parcela da renda que excedesse R$ 4.000. Um contribuinte cujo rendimento (líquido das deduções acima referidas) fosse, por exemplo, R$ 5.000 passaria para uma alíquota média de 21%, contra 20,3% na atual legislação. Só as faixas muito altas de renda teriam aumentos realmente expressivos da sua carga tributária.
Note-se, finalmente, que a alíquota marginal máxima atualmente em vigor no Brasil, de 27,5%, é bastante moderada para padrões internacionais. Um estudo do Ipea, de agosto de 1998, embora com números um pouco defasados, mostrou que a alíquota máxima do imposto brasileiro de pessoa física está entre as mais baixas num conjunto de 11 países desenvolvidos e 16 países em desenvolvimento (Ricardo Varsano e outros, “Uma Análise da Carga Tributária do Brasil”, Texto para Discussão nº 583, tabela 3, p. 19).
A proposta de Berzoini tinha, entretanto, um defeito provavelmente fatal: os deputados federais estão na faixa de renda para a qual haveria aumento substancial do imposto…”
– Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio
Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Nota da Redação: A Comissão de Finanças e Tributação rejeitou ontem, por 19 votos a 8, o substitutivo apresentado pelo deputado Ricardo Berzoini, que criava quatro alíquotas, variáveis de 15% a 35%. No seu relatório, Berzoini propunha uma redistribuição do pagamento do IR, que beneficiaria a maioria dos contribuintes, sem alterar a previsão de arrecadação. Quem ganha mais, pagaria mais imposto e quem ganha menos, teria um desconto menor.
Ontem mesmo, a Comissão de Finanças aprovou, sem emendas, o projeto do governo que prorroga até 2002 a alíquota de 27,5%.
Leia mais na próxima edição do Informativo Afubesp, que circulará na próxima semana com novo nome. Aguarde!
fonte: AFUBESP