Santander e a banalização da injustiça
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Demissão de trabalhadores antigos expõe ‘política da brutalidade’ adotada pela direção do banco
Marco Antonio Del’Aquilla foi um dos jovens que conseguiram uma das poucas vagas disponíveis no concurso do Banespa de 1985 – um dos mais disputados da história do banco, com apenas mil vagas para 24 mil inscritos. Nestes 23 anos de dedicação ao banco, sempre teve avaliações positivas e acima da média e, em abril de 2008, foi destaque em reportagem da Revista Idéias, editada pelo banco, que abordou seu hobby: mergulho em águas profundas. Tudo parecia ir muito bem, mas Del’Aquilla acabou demitido este mês por causa de um grave defeito, pelo menos do ponto de vista da atual direção do banco: tinha muitos anos de casa e vinha de uma época na instituição onde havia respeito humano e um clima organizacional saudável. “A atual direção adotou uma política de apagar a memória, eliminando os vestígios daqueles que conhecem um outro modo de gestão. Esses funcionários, apesar de extremamente capazes, podem influenciar os mais jovens ao alertar que a atual política da brutalidade pode ser mudada, que é possível uma outra realidade dentro da organização”, explica a diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região Rita Berlofa, que também é funcionária do Santander desde 1985. Ela lembra que 25% dos demitidos entre janeiro e maio deste ano tinham mais de 20 anos de casa. Para Rita, o recente destaque de Del’Aquilla no veículo de comunicação do banco é um bom exemplo da política de “mídia mentirosa” adotada pelo Santander. “O banco investe muito em marketing e nada em qualidade de vida para as pessoas. Na ‘mídia mentirosa’ patrocinada pela direção do Santander, todo mundo é feliz e satisfeito com o banco. Mas a realidade nos mostra um panorama oposto”, afirma, destacando que o banco também prefere gastar com a bela arquitetura das agências, com móveis caros e exigir funcionários bem vestidos. “Por trás desta fachada, trabalhadores sofrem a ‘gestão do medo’: medo de não atingir as metas, de sofrer humilhações, de não se adaptar, das avaliações tendenciosas, da demissão. Essa gestão é implementada por quem acredita que o medo nos leva a produzir mais e melhor. Será que isso é verdade? Deflagram uma guerra interna, na qual as vítimas são os próprios trabalhadores, forçados a apresentar cada dia mais produtividade, disciplina, subserviência, abnegação. Tentam nos fazer crer que nossa sobrevivência depende de nossa superação e de nos tornarmos mais fortes que os concorrentes. Usam para isto o instrumento da competitividade e, em nome dele, atropelam princípios de ética e justiça. Os beneficiados com esta guerra são apenas 0,1% dos seus trabalhadores. Para que a ‘máquina de guerra’ funcione é preciso que todos participem, para garantir sua eficácia e longevidade. Se esta máquina continua é porque consentimos em fazê-la continuar mesmo que por vezes isto nos revolte”, avalia Rita. Carta – Uma carta escrita por Del’Aquilla após sua demissão dá um bom panorama do nível ético de relacionamento atualmente dentro do Santander. “Há muito se comenta e se sabe do interesse do Santander em dispensar os banespianos (…) quem fala a verdade e tem compromissos éticos e morais não tem vida longa em um ambiente promíscuo como o que foi criado”, lê-se em trecho da mensagem. Segundo Del’Aquilla, sua demissão foi “forjada” com “uma suposta avaliação de desempenho baseada em fatos distorcidos e mentiras deslavadas (…). Jogaram fora todo o histórico de minhas avaliações, que sempre foram acima dessa média!”, desabafa o funcionário. Segundo Rita, tal política tem por objetivo eliminar o caráter solidário do relacionamento entre os funcionários, tão presente nos anos pré-Santander. “A única forma de lutar contra isso é fazer exatamente o oposto ao que o banco quer e cultivar a união entre os colegas de trabalho. Não podemos ter tolerância com o sofrimento, precisamos nos rebelar contra injustiças como esta cometida contra tantos Del’Aquillas, não podemos aceitar isso como normal, isso não pode fazer parte do processo. A banalização da injustiça implica em responsabilidade e portanto pode ser freada, só depende de nossa vontade e de nossa liberdade na tomada de decisão.” Rita faz questão de ressaltar que a resistência individual tem poucas chances contra essa forma de gestão definida pela direção e que é preciso uma reação coletiva, que deve ter início na solidariedade entre os colegas de equipe. “Vamos exigir respeito, vamos exigir o fim das demissões e contratações para dar conta de tanto trabalho, vamos exigir valorização, exigir um PCS decente que acabe com tantas diferenças salariais entre trabalhadores que desempenham a mesma função. Vamos exigir a humanização nas nossas relações de trabalho. Isso é um direito. Nós, juntos, podemos. Comece sendo intolerante com as injustiças e o sofrimento do seu colega, comece com a prática da solidariedade, esta é a nossa arma”, salienta. “Conduzir o banco desta forma tem origem numa decisão tomada por pessoas, não é uma coisa natural e imutável. Por isso, é perfeitamente possível que esta forma de gestão seja modificada, com união e empenho de todos os que sofrem com essa política e vivem com medo de demissão, pressão por metas e jornada de trabalho desumana.” Para a sindicalista, não há política de RH no banco. “O Santander tem estratégias de negócios, de crescimento, de ampliação da rede, de tudo, menos de valorização dos funcionários. E não estamos aqui falando de valorizar apenas com pagamento de bônus, mas de um tratamento decente e moralmente correto”, diz. Para Rita, não é possível uma empresa apresentar bons resultados adotando esse tipo de política com seus funcionários. “O Santander está errando, a direção está errando, e os resultados, na contramão de seus concorrentes, só reforçam esse fato.” A sindicalista diz que os bancários aceitam o “desafio” de fazer do Santander o maior banco do Brasil, porém desafiamos o Santander a fazer da instituição o melhor banco para se trabalhar no Brasil. Será que eles aceitam esse desafio?”, questiona. “Queremos que as reuniões semanais da Comissão Executiva, onde 80% do tempo é dedicado a discutir riscos, segundo Francisco Luzon, presidente da Divisão América do Santander, sejam aproveitadas também para discutir recursos humanos, pois o grande risco de uma empresa não é somente a má gestão de riscos, mas acima de tudo a má gestão de pessoas.” Essa pressão está levando a uma das mais altas rotatividades do mercado: nos primeiros meses de 2008, 46% das demissões sem justa causa e 70% das demissões a pedido foram de funcionários com menos de três anos de casa. “Chega dessa política que demite o trabalhador mais velho e experiente, contrata o jovem, inexperiente, que chega cheio de vontade, energia, mas, passado pouco tempo, não suporta o ritmo de trabalho e acaba saindo fonte: Danilo Pretti Di Giorgi – Seeb SP |