“Tá dominado, tá tudo dominado” – Artigo
Paulo Nogueira Batista Jr.
A CUT, a CNI e a Fiesp lançaram campanha nacional pela “ampliação e democratização” do CMN (Conselho Monetário Nacional). No domingo, 13, neste mesmo espaço,os presidentes das três entidades publicaram artigo apresentando os objetivos da campanha (“Pela ampliação do CMN”, Folha, pág. B2). A questão foi bem explicada por eles.
Tenho defendido a mesma proposta com argumentos semelhantes em diversos artigos publicados aqui nesta coluna, o último deles em setembro de 2004 (“Ampliação do Conselho Monetário Nacional”, Folha, 16/09/ 2004, pág. B2).
Trata-se, em síntese, de aumentar (sem exageros) o número de integrantes do CMN, incorporando alguns ministros e outras autoridades governamentais ligados à produção e ao emprego (os ministros do Desenvolvimento, da Agricultura e do Trabalho e os presidentes do Banco do Brasil e do BNDES, por exemplo) e, também, pessoas representativas da sociedade civil (de empresários, dos trabalhadores e do meio acadêmico), nomeadas pelo presidente da República.
O governo conservaria a maioria dos votos no conselho, que continuaria a ser presidido pelo ministro da Fazenda. O CMN tem atribuições de importância estratégica. Por exemplo: define as metas de inflação, fixa a TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo) que vigora nos empréstimos do BNDES e regulamenta as normas cambiais.
A sua última decisão de impacto, que entrou em vigor nesta segunda-feira, foi uma extensa e polêmica revisão das regras cambiais, criticada no artigo que publiquei nesta coluna na semana passada (retomei o tema em texto publicado no site Agência Carta Maior, “Preparando a fuga de capitais”, 11/03/2005, www.agenciacartamaior.com.br ).
A ampliação do CMN tem como propósito contribuir para compatibilizar “o objetivo da estabilização monetária com a necessária valorização da produção e do emprego”, escreveram os organizadores da campanha em carta que será entregue ao presidente da República. “As decisões do CMN”, acrescentou o presidente da CNI, “se pautam muito por análises produzidas no âmbito financeiro, se descolando da economia real”.
De fato, a estrutura e o funcionamento atual do CMN deixam muito a desejar. O CMN já foi bem mais amplo. Durante a maior parte dos seus mais de 40 anos de existência, observa a carta ao presidente Lula, o CMN contou com mais de 20 membros, entre os quais representantes da sociedade civil. Mas, desde 1994, tem apenas três integrantes: o ministro da Fazenda, o do Planejamento e o presidente do BC. A secretaria do CMN é exercida pelo Banco Central.
Quem comanda o CMN? Formalmente, é o ministro da Fazenda. Desde janeiro de 2003, o presidente do conselho é um político, com formação de médico sanitarista. O presidente do Banco Central é um executivo bancário, com conhecimento limitado de assuntos macroeconômicos. O ministro do Planejamento ocupa o cargo interinamente e não apita nada. Mesmo na hipótese improvável de que seja escolhido um nome forte para o Planejamento, o CMN continuará controlado pela área fazendária, em especial pelo Banco Central.
Na prática, o CMN é dominado por uma meia dúzia de economistas que ocupam postos-chave na Fazenda e cargos de direção no Banco Central. São técnicos relativamente jovens, geralmente com pouca experiência prática. Podemos subdividi-los basicamente em dois tipos humanos, bastante interessantes: a) os “doutrinários”, oriundos do meio acadêmico e formados em universidades dos EUA, que procuram seguir à risca (às vezes de forma pouco inteligente) modelos teóricos que os próprios americanos não aplicam; e b) os “financistas”, oriundos do mercado financeiro e preocupados, fundamentalmente, em cacifar suas carreiras nesse sistema.
Os dois tipos se mesclam e se sobrepõem. Os financistas têm geralmente passagem por universidades americanas; os doutrinários são rapidamente seduzidos pela perspectiva de empregos confortáveis e bem remunerados no sistema bancário e adjacências.
A leitora poderá perguntar: “Mas não aparece nenhum patriota por lá, de vez em quando?”. E eu respondo (lançando mão de uma expressão nelson rodrigueana): “Se aparecer, será caçado a pauladas, como uma ratazana prenhe”.
A campanha pela ampliação e democratização do CMN enfrentará resistências poderosas.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras na Folha. É autor do livro “A Economia como Ela É…” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). Email – pnbjr@attglobal.net
fonte: Folha de S.Paulo