“A PRIVATARIA QUER MAIS DINHEIRO”, ARTIGO DE ELIO GASPARI
ELIO GASPARI *
Depois de ter iludido o público com a lorota de que as privatizações trariam investimentos privados para todos os serviços públicos, o tucanato está sob pressão. Os concessionários dos serviços de energia e de ferrovias, bem como as empresas de telecomunicações, estão forçando o governo a redefinir os contratos que assinaram, a alterar a política tarifária e a financiar seus investimentos.
Ao tempo em que vendia o patrimônio da Viúva para atrair dólares destinados a financiar o populismo cambial e assegurar a reeleição de FFHH, o tucanato dizia que o Estado passaria diversos serviços públicos à iniciativa privada e iria cuidar dos investimentos sociais. Era gogó.
No campo das metas contratadas, a Telefônica conseguiu ampliar de três para 180 dias o prazo de transferência de linhas. São 38 as concessionárias, mas só duas cumpriram todas as metas.
As ferrovias simplesmente não cumprem as metas de produção. Uma delas, a Novoeste, nem sequer pagou a prestação do arrendamento, devida desde abril. Coisa de R$ 2,78 milhões (os investidores americanos que nela entraram já caíram fora, com algumas dezenas de milhões de dólares no bolso). Os concessionários propuseram ao Ministério dos Transportes que a amortização das empresas que arrendaram seja considerada dinheiro investido. Coisa assim: o sujeito entra de sócio numa fazenda, paga uma mixaria e se compromete a fazer obras. Passados dois anos, chama o parceiro para uma conversa, propondo que a prestação da compra seja considerada como dinheiro aplicado nas melhorias. No interior, uma parolagem dessas acaba em tiro, mas no Ministério dos Transportes pode acabar sendo bom negócio. Para quem, é difícil saber.
Já está entendido que o financiamento dos novos trechos de ferrovias e das novas usinas geradoras de energia terão que vir, em boa parte, do velho e bom BNDES.
A Petrobras, essa grande mãe, está a um passo de anunciar que assumirá o risco cambial das empresas que venderão energia produzida por gás natural. É a velha mumunha. Privatiza-se o lucro, estatiza-se o risco e socializa-se o prejuízo.
Se isso fosse pouco, chegou a Brasília um texto no qual estão resumidas as reivindicações das concessionárias de energia elétrica. É proposta embrionária e não há indício de que a Aneel vá aceitá-la. Diz assim:
“É preciso que sejam estabelecidos, desde já, mecanismos de alívio regulatório explícito para lidar com a possibilidade de que parte do custo dos PPAs atuais venha a se tornar “stranded” no futuro, na hipótese de haver maior concorrência no setor de gás natural”.
Não deu para entender? Pois não é para entender mesmo. Em português claro, teriam que dizer o seguinte:
“Sabendo-se que vamos vender a energia a R$ 70 o megawatt/hora, caso apareça alguém oferecendo-o a R$ 50, deveremos ser reembolsados em R$ 20 porque seremos obrigados a baixar o nosso preço para permanecer no mercado.”
Gracinha. Se aparecer um concorrente vendendo o chocolate mais barato, a Viúva terá que indenizar o empresário privado que se estabeleceu vendendo chocolate caro.
Há coisa pior. As empresas vendedoras de energia elétrica estão azucrinando a vida dos empresários que buscam suprimento próprio. Se um empreendedor consegue produzir sua própria energia, os concessionários querem ter o direito de lhe cobrar preços exorbitantes pela eletricidade que possa vir a necessitar. É pressão monopolística.
Concessionário reclamando de risco cambial ou é asno ou pensa que seu interlocutor o é. Ninguém comprou uma só caixa de fósforos achando que o real da reeleição era coisa de verdade. Concessionário de ferrovia ou de geração de energia reclamando da falta de investidores para novas obras ou é incompetente ou pensa que fala a néscios. Quando assinaram seus contratos, todos sabiam que esse dinheiro só existia no BNDES. Vale lembrar que no negócio de venda de energia os investidores já pegaram de volta perto da metade do que desembolsaram.
Tendo faturado a festa da desestatização, FFHH está presidindo o início da ruína da privatização. As concessões que fizer às empresas de energia e de transportes ferroviários virarão precedente para um novo ataque ao Estado. Levando-se em conta que o ministro Eliseu Padilha até hoje não montou a Agência Nacional de Transportes, a perspectiva está para lá de ruim.
Boa parte do assalto ao Estado vem atrás do que se denomina de “crise da produção de energia”. Essa crise é produto da falsa privatização de FFHH. Se ele tivesse liberado o mercado e pulverizado a propriedade, a coisa teria a simplicidade do capitalismo: quem tem vende e quem precisa compra. Se a empresa vende energia com prejuízo, danam-se os acionistas. Se cobra caro, o concorrente cobra barato e quebra-a.
A economia americana cresce a 5,2% em termos reais (ou seja, um Brasil a cada nove meses). Ela não está ameaçada por crise de energia. Por quê? Porque acabaram com a regulamentação e liberaram a concorrência. Surgiu um problema na Califórnia. Ninguém propôs que o governo pusesse dinheiro público no negócio. Discute-se a cassação da concessão.
A modernidade tucana é como o convento de Santo Antônio. É velha, mas forma uma paisagem harmônica porque tem o BNDES ao lado.
*artigo publicado na edição de domingo, 20/8, do jornal Folha de São Paulo. Mais textos do colunista no site: www.uol.com.br/eliogaspari/
fonte: AFUBESP