Porque funcionários são forçados a torcer contra o banco em que trabalham
Se a empresa vai bem, o funcionário vai bem. O sucesso do empregado está ligado ao sucesso da companhia. Se a organização cresce, o profissional pode almejar melhores colocações. No local de trabalho, todo mundo já deve ter ouvido frases como essas ou semelhantes, cujo objetivo é o mesmo: estimular o trabalhador a empenhar-se em suas tarefas. Afinal de contas o seu emprego (no presente) e o seu futuro dependem disso.
Nas grandes corporações, onde existe toda uma doutrinação ideológica (aberta ou disfarçada) destinada a fazer com que os empregados assimilem a chamada “cultura da empresa”, a função dessas formas de comunicação vai mais além. Não basta estar estimulado ao trabalho, “tem que vestir a camisa da companhia”. Outra frase que certamente você já ouviu.
É a linguagem esportiva adentrando o campo das relações capital trabalho. Ao “vestir a camisa”, o jogador, ou melhor, o funcionário tem que mostrar serviço ou, para usar outra expressão muito comum, “dar o sangue” e ainda torcer para o sucesso do time, digo, da empresa.
Ter empregados motivados, que vestem a camisa e torcem pela organização, é o sonho de consumo de qualquer companhia. O problema é que na maior parte do tempo – em muitas empresas, o tempo todo – as frases de estímulo são palavras vazias que não têm correspondência com a realidade vivenciada pelos trabalhadores. Apenas a versão negativa delas é uma verdade imutável. Ou seja, se a corporação vai mal, o funcionário vai pior ainda. Isso quando não perde o emprego. Aliás, a demissão é o método mais comum utilizado pelas empresas para sair de eventuais “crises”.
Mesmo quando a companhia vai muito bem, o empregado pode continuar indo… pra rua. No setor bancário, por exemplo, as instituições financeiras há anos vêm batendo recordes seguidos de lucratividade. Nem por isso, deixam de enxugar o quadro de pessoal. Também persistem no desrespeito aos direitos trabalhistas, na extrapolação da jornada de trabalho sem pagamento de horas extras, etc.
Lógico que existem bancários que foram promovidos, até porque é preciso preencher as vagas deixadas pelos colegas demitidos ou abertas nas novas agências, tendo em vista o crescimento dos bancos. Entretanto, muitos dos funcionários que assumiram novas funções tiveram também que mudar a jornada de 6 para 8 horas e sujeitar-se a uma remuneração variável maior que o salário fixo. Para obter uma remuneração decente, o promovido tem que cumprir metas e mais metas, o que muitas vezes o obriga a relegar sua vida pessoal ao segundo plano.
Portanto, é possível concluir que o sucesso da empresa, em geral, tem pouca ou nenhuma relação com o sucesso (no sentido mais amplo da palavra) do funcionário.
Feita essa constatação, é preciso ainda ressaltar que existem situações específicas, antagônicas, nas quais o êxito da companhia pode significar grande prejuízo para seus trabalhadores. Trata-se das fusões ou aquisições.
Quando um grande banco planeja adquirir ou fundir-se a outro, calcula primeiro a redução de custos que será gerada pela “sinergia” entre as duas empresas. Trocando em miúdos, quantas agências poderão ser fechadas e quantos funcionários serão demitidos. Diante dessa visão prevalecente na economia global, qualquer notícia como a que envolve atualmente a venda do ABN Amro causa grande apreensão entre os bancários.
Pior ainda quando as marcas envolvidas na negociação possuem muitas agências e milhares de funcionários em um mesmo país. Nesse caso, a maioria dos bancários é obrigada a torcer contra a empresa em que trabalha, para que o negócio, embora muito vantajoso do ponto de vista empresarial, não se realize. A vitória de “seu” banco na disputa poderá ser a razão de seu futuro desemprego ou, na hipótese menos pior, do aumento de sua carga de trabalho.
Alguns profissionais mais envolvidos com a “cultura da empresa” talvez achem absurdo que colegas possam desejar a derrota da corporação em uma disputa tão importante, porém nada mais natural do que o instinto de defesa e preservação do ser humano.
fonte: Airton Goes – Afubesp