PARA EX-MINISTRO DO PLANEJAMENTO, EMPRESAS PRIVATIZADAS ESFOLAM
Uma crítica feroz à política neoliberal de FHC e ao processo de privatização das estatais estão no artigo do ex-ministro do Planejamento (no governo Sarney) João Sayad. O texto, que reproduzimos na íntegra, foi publicado na Folha de S. Paulo de hoje, 11/10
“Um país forte
João Sayad (*)
O país é conservador.
Em 1974 o “Estadão” publicou longa reportagem denunciando mordomias dos dirigentes das empresas estatais.
Eram acusados de usar cartões de crédito em viagens internacionais, alugar aviões executivos para viagens de negócios e de outros comportamentos comuns e necessários a dirigentes de grandes empresas. Mas eram inaceitáveis – “um escândalo” – para empresas estatais, mesmo que grandes e internacionalizadas, como a Vale ou a Telebrás.
Uma das fontes que informaram a reportagem declarava: “Prefiro as empresas multinacionais às estatais, pois as multinacionais, pelo menos, são controladas pelo Congresso americano e pelas leis americanas”. A ironia se justificava pela informações de que as estatais financiavam indiretamente os órgãos de repressão e tortura.
Era o início da campanha contra as empresas estatais. Coincidia com o início do processo de democratização e abertura política do país. No regime militar, a direita nunca reclamou contra as estatais. Ao contrário, deu-lhes autonomia, tarifas e crédito. Cresceram muito, tornaram-se grandes empresas.
Hoje sobram apenas algumas estatais.
As multinacionais que as substituíram, ao chegar ao Brasil, se transformaram.
Não são controladas por ninguém.
A Telefônica, por exemplo, está sendo investigada pela CVM, de acordo com a reportagem da Folha, por ser a dona de empresas que fornecem serviços para a própria empresa. Dessa forma, poderia transferir lucros dos acionistas minoritários para os controladores.
Como reagiria o mercado de ações americano se a limpeza dos escritórios da Microsoft fosse feita pela “Bill Gates Serviços Gerais” ou se os motores da Chrysler fossem comprados da “Iacocca Motors”?
No Brasil, quatro anos de reformas neoliberais acabaram por produzir um sistema ainda mais pessoal e arcaico do que o que existia antes.
Para que serviram tantos anos de incentivos fiscais para o mercado de ações, se o controle das empresas está fora do mercado de ações? Para que serve o mercado de ações, se a maioria das empresas abertas não pode votar e não ameaça o controlador quando administra mal a empresa?
Neoliberais gostam muito de ações e do mercado de capitais. O mercado de capitais pode avaliar e controlar a gestão das empresas, quando as ações de controle podem ser compradas em Bolsa.
A privatização poderia ter representado um grande impulso. As ações das empresas estatais sempre foram importantes na Bolsa.
O controle foi vendido, mas continua fora do mercado.
Além disso, para viabilizar o processo de privatização, o próprio governo aprovou a Lei Kandir, que retira dos minoritários o direito de recesso, ou seja, diminui ainda mais o poder dos minoritários o direito de recesso, ou seja, diminui ainda mais o poder dos minoritários e do mercado de ações.
Quais conclusões podemos tirar de tanta diferença entre o sonho e a realidade dos sonhos neoliberais?
Aqui, as multinacionais transformam-se em empresas atrasadas que conseguem esquemas governamentais de proteção para escapar da concorrência dos mercados de produtos finais e do controle do mercado de ações. Preocupam-se apenas com o lucro dos controladores, à custa dos demais acionistas.
Não basta contar com a fiscalização e controle das agências reguladoras.
Há muito tempo, o pensamento neoliberal argumenta que as agências reguladoras acabam sendo dependentes dos regulados e as regulamentações se transformam apenas m formas de evitar a concorrência e aumentar o lucro das empresas reguladas.
Onde pode trabalhar, ao se aposentar, o funcionário da Anatel, da Anel ou da Anap senão nas empresas que controla? Será que pode tomar decisões realmente independentes e em nome do interesse público? O governo vai garantir salários maiores do que o teto para preservar a independência da burocracia regulamentadora? O país é forte, grande, imutável, poderoso e transforma tudo a sua imagem e semelhança.
Aqui, empresa estatais são transformadas em empresas estrangeiras globalizadas que esfolam consumidores e acionistas nacionais. O mercado de ações, em ações entre amigos. A concorrência em cartel. Os empresários nacionais, em rentistas. Os empresários estrangeiros, em empresários nacionais. Políticos de esquerda, em políticos de direita. Reforma, em atraso.
Só o país não se transforma. Permanece igual, conservador, inerte, propriedade de poucos, que muda pouco e, quando muda, piora.
(*) João Sayad, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney).”
fonte: AFUBESP