METAS DO GOVERNO SÃO FIXADAS PELO FMI, AFIRMA HISTORIADOR
Entrevista: Marco Aurélio Garcia
Em entrevista ao Informativo Afubesp On Line, o professor de história da Unicamp e secretário de Relações Internacionais do PT, Marco Aurélio Garcia, diz que a Independência do Brasil está cada vez mais comprometida pela política econômica do governo FHC e de seus aliados. Ele avalia que os acordos com o FMI ferem a soberania nacional e garante que existe alternativa ao modelo vigente.
Do ponto de vista histórico, como você vê a situação do Brasil hoje, em relação à época colonial?
Em 1822, conquistamos nossa independência política, ainda que nunca tenhamos rompido os laços econômicos que nos prendiam às metrópoles capitalistas, na época, a Grã-Bretanha. Nos últimos anos, o governo FHC nos atrelou à globalização produtiva e, sobretudo, financeira para levar adiante seu projeto de estabilização monetária. O real ficou sobrevalorizado, os juros foram elevados às nuvens para que os capitais especulativos viessem para cá. A abertura comercial selvagem inundou o país de bugigangas para fomentar o populismo cambial, que semeou a ilusão do consumo fácil e barato, ao mesmo tempo em que arruinava nosso sistema produtivo. Vendeu-se o patrimônio público a preço de banana para aplacar a fome dos banqueiros internacionais. Há um sério risco de que nosso futuro tenha sido comprometido por muitos anos. Não há, pois, o que comemorar na Semana da Pátria. Nossa Independência está cada vez mais comprometida. O intelectual que ocupa hoje a presidência da República, depois de teorizar por muitos anos sobre a dependência, passou a praticá-la.
Então, a atual política econômica do governo FHC e o acordo com o FMI ferem a soberania nacional?
Ferem gravemente. Perdemos a capacidade de formular uma política econômica conforme os interesses nacionais. As metas perseguidas pelo governo, por mais que ele fale de independência e soberania, são em realidade fixadas pelo FMI. Como fica evidente em muitos outros exemplos na Ásia e América Latina, os interesses do FMI nunca coincidem com os da maioria da população. Um fato que passou batido – e que apareceu nas conversas telefônicas gravadas no ano passado –, foi que os ministros da área econômica mandaram o famoso discurso do Itamaraty, no qual FHC anunciava de forma sinuosa a política econômica que praticaria depois das eleições, para uma consulta prévia ao Fundo.
As privatizações e a desnacionalização das empresas brasileiras fazem parte desse processo de comprometimento do futuro do Brasil?
Grande parte das empresas estatais tinha um papel chave na formulação de uma estratégia de desenvolvimento. É o caso da Vale do Rio Doce, das Teles e das Elétricas, para não falar da Petrobrás, do Banco do Brasil e da CEF, que o governo anuncia eventualmente privatizar. O governo primeiro sucateou as empresas estatais, transformando-as em ineficientes para depois vendê-las a baixo preço, pretextando a sua “ineficiência”. Mais grave ainda, financiou com dinheiro público (BNDES) grande parte das privatizações. Toda a idéia de projeto nacional de desenvolvimento foi abandonada. O ajuste fiscal transformou-se no valor único da política econômica. Para buscar o equilíbrio – difícil de ser atingido com taxas de juros tão elevadas – o governo torra o patrimônio público para obter o superávit primário. É a história de um herdeiro perdulário que, para pagar suas dívidas de jogo, vende as jóias da família que as gerações anteriores haviam juntado. A política econômica do governo levou – contrariamente ao que ele anunciava – a uma perda de competitividade da industria nacional. À beira da falência, empresas importantes e competitivas – nos setores de autopeças, alimentação e outros – foram absorvidas por grandes transnacionais. A entrada de capitais, que algumas dessas compras acarretou, está sendo anulada por intensas remessas de lucros para o exterior.
Existem alternativas ao modelo vigente?
Claro que existem. Não se trata de fechar o Brasil, mas de fazer como fazem os Estados Unidos e as grandes potências: defender, antes de tudo, o interesse nacional. As grandes economias mundiais pregam o livre-comércio para os outros, mas praticam o protecionismo mais descarado sempre que necessário. Temos um grande mercado interno a ser explorado. Uma política de crescimento com distribuição de renda – o que exige reformas econômicas, sociais e políticas profundas – pode dar à economia brasileira o peso necessário para ocupar um lugar
fonte: AFUBESP