Mais de 30% dos trabalhadores sofrem assédio moral
A revelação foi feita pela assessora do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo, a médica do trabalho e mestra em psicologia social pela PUC/SP, Margarida Barreto, no Jornal Surgente do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro.
Atualmente, Margarida desenvolve, para seu doutoramento (também na PUC), pesquisa em todo Brasil sobre a questão do assédio moral no trabalho. De acordo com a médica, 30,33% da população brasileira economicamente ativa está submetida a este tipo de violência. Nesta entrevista, Margarida explica como acontece o problema e o que o trabalhador pode fazer para enfrentá-lo.
Jornal Surgente – Afinal, o que é assédio moral?
Margarida – São atos e comportamentos hostis e agressivos, dirigidos contra um trabalhador ou conjunto de trabalhadores, no âmbito das relações interpessoais. Acontecem de forma prolongada e repetitiva, tendo como finalidade estabelecer o isolamento destes trabalhadores em relação ao demais colegas. O propósito é fazê-los desistir do emprego, causando danos a saúde, a dignidade e identidade e degradando as condições de trabalho. Para alcançar tal objetivo, os trabalhadores sofrem criticas repetitivas durante a jornada de trabalho e as falsas informações e boatos circulam no ambiente de trabalho, quebrando as redes de comunicações, que ficam interditadas. Com tudo isso, o trabalhador vai sendo desestabilizado emocionalmente, chegando a tentar o suicídio ou mesmo praticá-lo.
Em que circunstâncias se dá o assédio moral?
Em um clima de opressão e pressão constante, competitividade acentuada entre os pares, exigências de metas cada vez maiores, tempo curto para produzir ou terminar um projeto, sobrecarga de trabalho, novas tecnologias gerando insegurança, programas de qualidade total em que o defeito da peça ou do serviço prestado deve ser zerado. Incluem-se aí novas políticas de gestão, a organização do trabalho, a busca da saúde perfeita, a exigência de excelência, a polifunção, a flexibilidade sempre pró-empresa, as reestruturações e reengenharia. Socialmente temos um clima de desregulamentações e perdas de direitos, reformas do contrato de trabalho, aumento das terceirizações, subempregos e desemprego massivo.
Quais são as formas de pressão mais utilizadas?
A lista é grande: solicitar um trabalho urgente e que realizado, não terá qualquer validade; isolar do conjunto dos colegas; impedir que os colegas falem ou almocem com ele/ela; ignorar e não lhe dirigir sequer a palavra ou mesmo o olhar; desqualificar sistematicamente, disseminando boatos e maldades acerca de sua vida intima e privada; induzir a erros; passar informações através de terceiros; impedir a pessoa de manifestar sua opinião; desmoralizar publicamente e colocar apelidos que inferiorizam; perseguir e maltratar; cooptar e corromper os colegas com falsas promessas de ascensão; impor horários injustificados; sobrecarregar de trabalho; colocar em funções acima ou abaixo da capacidade e experiência do trabalhador; ameaçar através da família; colocar de castigo ou impedir de sentar quando chega atrasado a uma reunião; manter em cárcere privado; controlar todos e-mails; armar cenas de roubo, entre outros.
Toda pressão tem como fim último a demissão do funcionário?
Noventa por cento dos escolhidos para serem eliminados, ou melhor, demitidos, têm carteira assinada. E o perfil dos ‘descartáveis’ chama atenção. São os doentes e acidentados do trabalho, pessoas acima de 35 anos, com espírito de solidariedade muito alto, criativos e críticos; salários acima de 3 mil reais e as mulheres. A intencionalidade está clara: forçar a desistir do emprego. Essa mesma prática encontramos na violência institucional, em que o assédio é uma política das empresas nos momentos de necessidade de redução do quadro de funcionários como, por exemplo, nas privatizações, fusões, PDVs, PDIs ou aposentadorias precoces.
E se a pressão for oposta ao desprezo, ou seja, a pressão não está ligada ao fato do superior ignorar ou menosprezar o funcionário, mas, ao contrário, a pressão é o superior, que controla até o humor do funcionário. Isso também é assédio moral?
Um conflito, um desacordo, uma polêmica ou oposição não é assédio moral. A mesma coisa com o estresse ou o “burn-out”, que não são assédio, mas podem ter sido desencadeados por um ambiente que não reconhece o que o outro faz e desqualifica a pessoa e seu trabalho. Assim, a opressão, as exigências de metas, os conflitos que não se resolvem, podem constituir um ‘lastro’ ou mesmo uma ponte para o assédio moral. No assédio temos a repetitividade dos atos cruéis e hostis por tempo prolongado; a degradação deliberada das condições de trabalho; o abuso de poder e relações hierárquicas assimétricas; a violação dos direitos fundamentais (saúde, trabalho, a dignidade, identidade, integridade pessoal); a degradação das relações interpessoais. Se a conduta é de controle e desqualificações repetitivas com a finalidade de forçar o outro a pedir demissão, estaremos diante de um caso de assédio moral.
Quais são as denúncias mais freqüentes?
Vêm dos bancários, professores, pesquisadores, funcionários públicos, trabalhadores da indústria química, de cosméticos, de telemarketing e “call center”, comércio e de serviços. As denúncias são variadas: despromoções, premiações negativas por não ter alcançado a produtividade, armação de roubos de computadores, microscópios, cosméticos etc. Atualmente tem sido prática comum das grandes empresas demitir abrindo a torneira. São centenas de trabalhadores demitidos em véspera de feriado ou final de semana e, na maior parte das vezes, são os adoecidos por LER (Lesões por Esforços Repetitivos) os preferencialmente escolhidos. Há poucos meses tivemos uma denúncia de trabalhadores de uma multinacional que estavam em greve e a empresa encaminhou telegramas para suas esposas, exigindo que elas convencessem seus maridos a retornar ao trabalho; caso contrário, seriam demitidos. O que chama a atenção aqui no Brasil é que o maior número de casos de psicoterror acontece nas grandes empresas e multinacionais.
Quais as conseqüências para a vítima de assédio moral?
O assédio moral destrói vínculos afetivos e as dificuldades emocionais se caracterizam por irritabilidade, falta excessiva de confiança em si e nos outros, manias persecutórias, diminuição da capacidade para enfrentar o estresse. Apresenta alterações do sono, como dificuldades para dormir, pesadelos, interrupções freqüentes do sono e sonhos com o agressor ou com as situações vivenciadas; dificuldade para concentrar-se assim como diminuição da capacidade de memorizar e recordar. Baixa auto-estima. Hipertensão arterial, distúrbios digestivos, tremores, náuseas, diminuição da libido…
Para os homens, o assédio moral engendra isolamento e angústia, depressão, cansaço, distúrbios do sono, irritabilidade, agressividade, perda de apetite, dores generalizadas, raiva, vontade de vingar-se, sentimento de traição, abuso do álcool ou outras drogas, desorganização familiar e aumento da violência doméstica, pensamentos suicidas ou mesmo tentativa de suicídio.
O sofrimento pode levar a vítima ao suicídio? Você conhece algum caso?
Sim, tivemos vários casos de tentativa de suicídio entre os homens. Conheci por esse Brasil afora esposas de suicidas
fonte: Fonte: Agência CUT