LEIA ARTIGO DE BERZOINI: “O MAIOR DOS RISCOS SISTÊMICOS”
Ao ver o ex-presidente do Banco Central, aprovado recentemente pelo Senado Federal, homem de confiança de Malan e Fernando Henrique, ser demitido poucos dias após sua indicação, o cidadão brasileiro tinha tudo para desconfiar. Ao vê-lo praticar uma estratégica manobra judicial, para evitar depor na CPI, somos forçados a nos convencer que há algo de muito grave, tão grave que um eminente ministro só aceita revelar dez anos após sua morte. O risco que corre o país é que o governo seja cúmplice da manobra de Chico Lopes e que vejamos mais uma vez a verdade encoberta ou embaralhada sob o comando do planalto. Mas do que estamos falando?
Na virada das quinzenas de janeiro, o Banco Central acudiu dois bancos de atacado (ou simplesmente de pura especulação) torrando 1,6 bilhões de reais. Como nos confirmou a obscena sinceridade de Armínio Fraga, foi dinheiro meu, seu, nosso que a direção do Bacen decidiu usar. A alegação era o ‘risco sistêmico’, expressão utilizada pelo jargão intelectual financeiro para ameaçar-nos com as supostas conseqüências da quebra das duas “banquetas”, instituições que são parte de um cassino que pressupõe o risco.
Há inclusive a determinação legal de que o patrimônio pessoal dos dirigentes pode ficar indisponível para honrar situações em que o patrimônio líquido da empresa não seja suficiente. Ou seja, o que seria natural como solução para esses dois bancos seria a liquidação com a conseqüente indisponibilidade dos bens dos dirigentes e a investigação pelo agente público (Banco Central, diretoria de fiscalização) dos razões da quebra e das responsabilidades eventuais. Mas não, diante da ameaça do risco sistêmico, a ‘viúva’ assume o prejuízo e os Cacciolas da vida preservam seu patrimônio, a despeito das perdas dos cotistas dos fundos administrados pelos mesmos bancos.
Na ditadura militar, havia a doutrina de segurança nacional que justificava violências aos direitos civis. Agora, na ditadura do mercado financeiro global, temos a doutrina da segurança dos capitais. Agora trata-se de violar os princípios constitucionais e legais, em nome da suposta salvação de um sistema financeiro que assume os riscos que justificam os absurdos e abruptos ganhos e busca o socorro oficial nas eventuais perdas.
Portanto, na apuração pela CPI e pelo Ministério Público, é preciso que não se perca de vista que o menos importante é saber se Chico Lopes tinha ou não o se esquema de ‘inside information’ via Macrométrica, o que de fato está cada vez mais explícito. O que de fato interessa apurar é quantos esquemas como esse existem dentro do Banco Central, da CVM, do CMN e da própria BM&F. Pois afinal, não faz muito tempo que se revelaram ao país as fitas do caso “Mendonça de Barros”, nas quais se expunha o muito especial ‘modo tucano de operar’ em favor dos bancos amigos, no limite da irresponsabilidade.
É curioso e sintomático que tenhamos lido um artigo do Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira defendendo Chico Lopes de um suposto calvário. Afinal, Bresser tem um irmão no Conselho de Administração do Banespa (Sérgio Luiz Gonçalves Pereira), outro chamado Sylvio é sócio do Banco Fator (que fez a avaliação econômico-financeira para privatização do Banespa). São tantas as coincidências que há ainda um filho seu que é sócio no Banco Matrix, aquele fundado pelo Mendonça de Barros.
Nos próximos dias, o governo deve anunciar um reajuste irrisório para o salário sob o pretexto da contenção do déficit da previdência e da manutenção de uma suposta estabilidade. Nesse caso, não há a menor possibilidade de se levar em conta outro tipo de risco sistêmico, o da degeneração social prolongada e generalizada. Assim como é fácil para o governo FHC chegar à conclusão de que duas “banquetas” precisam de R$ 1,6 bilhões para não provocarem um risco sistêmico ao mercado de futuros, é praticamente impossível que suas planilhas eletrônicas calculem que tal valor seria suficiente para bancar (com o perdão da palavra), um programa de bolsa-escola para 1,6 milhões de crianças carentes por um ano, com a ajuda mensal de R$ 80 por criança carente mantida na escola. Vejam só: isso sim é um belo investimento no mercado de futuros.
Mas esse governo, que se iniciou com seu chefe pedindo que “esqueçamos o que havia escrito”, e que pode se abalar por um banqueiro que pediu favores para “esquecer tudo”, tem como sua principal “marka” o esquecimento do compromisso social. Da reforma da previdência ao desemprego, da política salarial aos programas de assistência social, Fernando Henrique faz para esquecer o imenso risco sistêmico social que vivemos nesses tempos em que o mundo financeiro governa os interesses.
O verdadeiro calvário que temos neste país é o dos brasileiros que convivem com um desemprego de 19,9% (pesquisa SEADE-DIEESE) ou quando empregados com um salário mínimo de R$ 130, que segundo o governo não pode ser aumentado para não aumentar o déficit público. Ora, ajudar o Marka e o Fonte Cindam causando um prejuízo de R$ 1,6 bilhões pode?
O país está diante de uma decisão histórica: ou passa a limpo todas as suspeitas que incidem sobre o Banco Central, BM& F e toda a banca especulativa ou estará anunciando que se submete a esse poder subterrâneo. A democracia, a partir da credibilidade das instituições, é que está sob risco sistêmico.
Ricardo Berzoini é deputado federal pelo PT-SP e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de SP, Osasco e Região
fonte: AFUBESP