LEIA ARTIGO DE ALOYSIO BIONDI EM DEFESA DO BANESPA
Mais um 9 de julho, para relembrar as tradições de luta pela democracia de que os paulistas de todas as raças sempre se orgulharam. Haverá mesmo motivos para comemorações este ano?
São Paulo mantém sua altivez e independência diante do autoritarismo e “ditaduras” de qualquer espécie, ostensivas ou dissimuladas?
Basta olhar ao redor para ter a resposta. Logo após sua primeira eleição, o governador Mário Covas, ainda coerente com seu passado político, rejeitava, em entrevistas, a idéia de privatizar a Cesp – Centrais Elétricas de São Paulo, um “negócio grande demais”, em que os contribuintes paulistas investiram bilhões e bilhões de reais, para passar às mãos de grupos privados, segundo suas próprias palavras.
Hoje, a Cesp está à venda, devidamente esquartejada, com o preço ridículo de 600 milhões (com m), fixado para o leilão do primeiro pedaço da estatal que, no ano passado, ofereceu um lucro de 700 milhões de reais aos cofres do governo do Estado.
Hoje, também, vê-se o governo federal, que tomou o banco de assalto, anunciar insistentemente que “venderá” o Banespa a banqueiros privados, nacionais ou estrangeiros, em outubro próximo. Preço previsto: l,5 bilhão de reais, por um banco que tem ativos no valor de 25 bilhões de reais, um desempenho construído ao longo de décadas com o apoio dos contribuintes paulistas.
E, mais ainda: um banco público que qualquer agricultor, qualquer pequeno ou médio empresário, qualquer prefeito, qualquer paulista sobretudo do interior sabe ter desempenhado sempre um papel fundamental no atendimento dos setores menos lucrativos e que por isso mesmo não interessam aos bancos privados. Mesmo com esse papel social, o Banespa sempre foi um banco lucrativo. Sua “quebra” foi uma farsa montada pela equipe do presidente Fernando Henrique Cardoso.
PAULISTAS, ACORDEM
No último dia do governo Fleury, o Banco Central decretou a intervenção no Banespa, alegando que ele estava “quebrado”, isto é, as suas dívidas e compromissos eram maiores do que os créditos que o banco tinha a receber.
Quem mostrou que isso era mentira foi o próprio Banco Central, no relatório final (página l65) da Comissão de Inquérito criada para investigar a situação do Banespa. Em português claro, para todo paulista entender, como foi montada a conspiração para desmoralizar o Banespa e justificar a intervenção federal? Vale a pena dissecá-la por etapas:
O devedor – o governo do Estado de São Paulo havia renegociado os empréstimos que tinha pedido ao Banespa. Com essa renegociação, deveria pagar prestações de R$ 23 milhões, um valor ridículo, quando comparado com o orçamento do governo paulista.
O atraso – o governo paulista, porém, atrasou por l5 dias o pagamento da prestação de dezembro.
A manobra – a equipe do presidente FHC aproveitou esse atraso para uma decisão ilegal. Considerou que o governo paulista estava “inadimplente” , e por isso todo o restante da dívida, de bilhões de reais, deveria ser considerada como “crédito em liquidação”, isto é, como “dinheiro perdido”, ou empréstimo perdido, para o Banespa.
O absurdo – note-se bem: o Banco Central do governo FHC agiu como se o governo paulista tivesse falido, não fosse nunca mais pagar suas dívidas com o Banespa. E, por isso, o Banespa ficaria com um “rombo” de bilhões. Ou, mais claramente: o governo FHC decidiu que São Paulo estava quebrado para, indiretamente, decretar a quebra do Banespa.
A ilegalidade – além de absurda, a manobra foi ilegal, de acordo com as conclusões da Comissão de Inquérito do próprio Banco Central. Por que ? Porque a prestação estava atrasada apenas l5 dias, e as normas do Banco Central concedem um prazo de no mínimo 60 dias para esses atrasos.
Desde maio de l995, quando o relatório do Banco Central foi concluído, a farsa havia sido desmascarada. O governador Mario Covas poderia ter agido para recuperar o Banespa, parte do patrimônio do Estado de São Paulo, de seus contribuintes e sua população. Seu governo, no entanto, não cogitou de questionar as manobras de Brasília e, menos ainda, de levá-las ao conhecimento da opinião pública do Estado, que continuou enganada, acreditando na “quebra” do Banespa.
Uma farsa alimentada pelo governo FHC para facilitar a privatização do banco.
PRIVATIZAR, A SOLUÇÃO?
Em dezembro de l996, a Assembléia Legislativa de São Paulo autorizou o governo paulista a ‘entregar” o Banespa ao governo federal, dentro do acordo para renegociação das dívidas paulistas.
A lei aprovada, porém, prevê que o Estado deveria preencher determinadas condições antes de entregar o Banespa à União, ao mesmo tempo em que o contrato assinado em maio de l997 entre União e Estado previa que São Paulo poderia desistir da operação.
Autoritariamente, desprezando tanto os termos da lei aprovada pela Assembléia como os termos do contrato, em dezembro de l997 o governo Covas concordou com a “federalização definitiva” do Banespa, assinando um “aditivo” ao contrato, que vem sendo contestado na Justiça, com base no desrespeito à lei e ao acordo citados. Totalmente submisso aos desígnios da equipe econômica do governo federal, o governo Covas tem ignorado, inclusive, a tomada de posição das Câmaras Municipais de 350 municípios paulistas contra a privatização do Banespa, engavetando as suas propostas encaminhadas à Assembléia Legislativa.
Enquanto São Paulo se curva às ordens da ditadura econômica de Brasília, o “espírito libertário” do 9 de julho se mostra em outros Estados. Em Santa Catarina, o governador Espiridião Amin, do PFL, luta com unhas e dentes contra a privatização do banco estadual – protestando violentamente contra o relatório falsificado sobre a situação do banco, apresentado pelo Banco Central, numa repetição da farsa que vitimou o Banespa. No Rio, o governador Anthony Garotinho declara que a privatização do Banerj, o banco estatal, deixou um prejuizo fantástico de l2 bilhões de reais aos cofres do Estado, e quer rever o processo. Em Minas Gerais, o governador Itamar Franco adota o mesmo comportamento. E, nesses dois e em outros Estados, as Assembléias revêem todo o processo de privatização, com a instalação de CPIs. Ironicamente, mesmo depois do caos criado pelas telefônicas. Mesmo com a avalanche de postos de pedágio nas rodovias. Mesmo com os aumentos de tarifas de energia ou serviços telefônicos. Mesmo com os diálogos debochadamente antidemocráticos de ministros nos “grampos do BNDES”. Mesmo depois de todas as evidências de que o processo de privatização contém armadilhas, mesmo depois disso tudo, somente São Paulo continua a aceitá-lo passivamente. Falta pressão da opinião pública sobre prefeitos, deputados e governo do Estado, para relembrá-los dos compromissos de São Paulo com a democracia e a defesa dos interesses dos seus cidadãos. Será que este 9 de julho pode vir a ser um ponto de partida para a reversão desse quadro, com a opinião pública abandonando a apatia dos
últimos anos ?
Fonte:Afubesp