Emir Sader: As duas derrotas do Brasil
O professor Emir Sader, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, do livro “A vingança da História”, publicou artigo na Agência Carta Maior, constatando duas derrotas do Brasil na Copa do Mundo. “A seleção brasileira de futebol perdeu e o Brasil, como país, perdeu”, comentou. “Não porque não ganhamos a Copa, mas porque se montou uma imensa operação publicitária – que foi da campanha do Santander se atribuindo ter sido “escolhido (por quem?) o melhor banco do mundo”, até toda a parafernália de bugigangas e camisas modelo 2006 caríssimas, passando pela cobertura de imprensa.”
Leia a íntegra do artigo de Emir Sader:
As duas derrotas do Brasil
Nos empanturraram com a Copa do Mundo, com coberturas que começaram meses antes, com jornalistas comentando o nada muitas semanas antes, com o recorde mundial de jornalistas por país cobrindo uma Copa do Mundo, como se nossa imprensa tivesse muitos correspondentes normalmente pelo mundo agora, com excelentes analistas gastando seu verbo com quase nada, com milionárias publicidades, nos venderam muitos mitos, o comércio achou que ia faturar muito, ficou na saudade.
Veríssimo, João Ubaldo e outros foram mobilizados para a Copa, como se fosse o primeiro grande evento do novo Milênio. Nos saturaram tanto, que até o Veríssimo parecia chato, sem assunto, sem inspiração. Agora, que dêem licença para falar um dos que fomos vítimas de tudo isso.
O Brasil foi desclassificado, justamente desclassificado, saiu da copa sem pena, nem glória. Nos deram explicações para isso? Nenhuma. Afinal, temos os melhores jogadores do mundo, um quarteto mágico, um banco extraordinário, o melhor jogador do mundo – a discussão era se se aproximaria de Pelé, porque já havia passado de galopinho por Maradona – o melhor jogador em atividade na França, entre outras tantas coisas, que faziam do Brasil o melhor futebol do mundo.
Não faz mal que não tínhamos conjunto nenhum, que o Ronaldo estava tão gordo quanto o Bussunda, a genialidade individual dos nossos craques resolveria tudo, mesmo que no finalzinho. Como tínhamos quatro atacantes geniais – há quanto tempo Ronaldo deixou de ser genial, apesar de ser ainda chamado de “Ronaldo Fenômeno” (sic) -, bastava que um ou dois deles jogassem bem, para que garantíssemos dois gols, aí era agüentar atrás e ganhar. E se empatassem, o Juninho Pernambucano desempataria em gol de falta (já que já anos o Roberto Carlos não acerta mais o gol em falta e o próprio Ronaldinho Gaúcho não faz gol pela seleção há mais de um ano.)
Para o Brasil, tudo acabava dando certo no final. Afinal, Adriano fez aquele gol no finalzinho, contra a Argentina, na Copa das Confederações e demos a volta por cima na disputa por pênaltis, cumprindo nossa sina de ser sermos campeões, pela benção da raça superior futebolisticamente, mesmo quando “gigantes adormecidos”.
Uma hora despertaríamos – se dizia que em conversas com nossos jogadores antes do jogo com a França, havia uma excelente disposição (como se faltasse apenas isto) para finalmente fazer um grande jogo – e ganharíamos de novo. Quando o Ronaldo fez dois gols, achou-se que finalmente havia retomado sua forma, sem se darem conta que era um parêntese em um longo processo de decadência, que dura anos.
Somente algum complô, mediado por arbitragem, poderia nos tirar o caneco de novo. Já éramos favoritos antecipados para a Copa da África do Sul e do Brasil, daí a eventualidade do complô. Nos esquecemos um pouco do que acontece no campo, no meio de campo, na defesa (se era o melhor setor do time, não seria porque estava segurando o rojão de um time que não funcionava do meio de campo pra frente?), no meio de campo, no ataque.
Afinal de contas não vínhamos de três vitórias aparentemente inquestionáveis? A Copa América, a Copa das Confederações e a fase classificatória para o Mundial? Não importa que tínhamos jogado mal, que tínhamos perdido do Equador, de três da Argentina, que tínhamos empatado jogos fáceis em casa. Bastava que a genialidade dos nossos craques – aqueles da publicidade do Banco Santander – saísse da sua modorra – não iam gastar suas genialidades com o Japão e Gana, guardavam sua caixa de maldades para adversários mais qualificados -, para que voltássemos pra casa – aliás, para a Espanha, a França, a Alemanha, a Itália, onde jogam quase todos eles – com o caneco, pela sexta vez.
Não nos disseram quando o Brasil fez o último jogo bom. Na Copa das Confederações, os dois últimos, contra a Alemanha e a Argentina. Antes havíamos perdido até do México e entramos naquela ladainha de que “não existem mais bobos no futebol”. Então podíamos perder do fraco futebol mexicano, eram eles que tinham melhorado, não éramos nós que tínhamos piorado.
Se essas armadilhas, esses lapsos muito significativos, esse clima falso fossem apenas produzidos pela TV Globo, se entenderia, pelos milionários contratos de publicidade, além de se assumir como a “cara do Brasil” – que eles recriam no imaginário das pessoas e depois faturam em cima disso. Mas que Tostão, José Trajano, Fernando Calazans, Juca Kfouri, Soninha, entre tantos outros jornalistas – que fizeram a melhor cobertura da Copa – que têm uma visão crítica da mercantilização que se expande por todas as nossas sociedades, em praticamente todos os seus rincões, de forma avassaladora, é muito preocupante. Há algo mais profundo de equivocado nos mecanismos de cobertura jornalística, que impede que o essencial seja calado, que se participe de um clima que precisa mobilizar os espectadores, porque há publicidades em jogo, há índices de audiência, há tantas coisas que têm a ver com o financiamento mercantil dos grandes meios de comunicação.
O Brasil perdeu no primeiro jogo em que enfrentou um adversário minimamente à altura, embora ainda mais velho na média de idade e saiu da Copa nas oitavas de finais. Ficou entre os 8 melhores do mundo. Mas foi dominado, perdeu o meio-de-campo nos jogos anteriores, tendo Ronaldinho Gaúcho, Zé Roberto, Gilberto Silva, Emerson, Kaká, Juninho Pernambucano, Ricardinho. Era claro que estava às vésperas de ser eliminado. Jogou contra a França com as mesmas debilidades dos jogos anteriores. Perdeu, sem pena, em glória.
No seu conjunto o time jogou muito menos do que a escalação podia prever. Claro que tem a ver com a incompetência do técnico, que têm que fazer com que a soma das partes seja maior do que o todo e não flagrantemente menor e pior, como o Brasil foi em todos os jogos amistosos prévios à Copa – desculpados com aquela história do genial Didi, de que “treino é treino, jogo é jogo”, jogamos tão mal nos jogos da Copa do Mundo quanto nos amistosos e nos treinamentos – e durante os quatro jogos da Copa.
A seleção brasileira de futebol perdeu e o Brasil, como país, perdeu. Não porque não ganhamos a Copa, mas porque se montou uma imensa operação publicitária – que foi da campanha do Santander se atribuindo ter sido “escolhido (por quem?) o melhor banco do mundo”, até toda a parafernália de bugigangas e camisas modelo 2006 caríssimas, passando pela cobertura de imprensa.
O Brasil jogou cerca de 7 horas e meia, tivemos que agüentar 700 horas de com
fonte: Agência Carta Maior