ECONOMIA: VEJA ARTIGO SOBRE DÉFICIT PÚBLICO NO PRIMEIRO SEM/99
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE
ESTATÍSTICA E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS
Opinião Quinzenal
Nº 06
O Déficit Público no Primeiro
Semestre de 1999
15.09.99
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O Déficit Público no Primeiro Semestre de 1999
Adhemar S. Mineiro (*)
O Brasil se comprometeu com o Fundo Monetário Internacional a não ter déficit público, certo? Não, não está certo. No primeiro semestre de 1999 o país apresentou um déficit público (incluídos aí União, Estados, Municípios e empresas estatais) de cerca de R$ 71,0 bilhões e, apesar disso, cumpriu com folga o acerto com o FMI, que previa um resultado primário superavitário em, no mínimo, R$ 12,9 bilhões (o resultado final foi um superávit primário de R$ 13,6 bilhões).
O que parece para o grande público, entretanto, um jogo de palavras e conceitos, inclui no fundo uma importante e clara definição política e macroeconômica do atual governo no que diz respeito aos resultados da gestão orçamentária.
Ao se comprometer com o resultado primário, o Executivo federal se comprometeu em realidade a apertar suas despesas com pessoal, investimentos sociais e funcionamento da máquina administrativa, retirando da conta acertada com o FMI os gastos de natureza financeira (juros e correção da dívida pública).
O que também pode levar as informações iniciais a serem lidas de outra forma: mesmo apertando a execução do orçamento, e gerando um superávit primário de R$ 13,6 bilhões (cerca de 1,4% do PIB estimado para o ano apenas em um semestre), ainda assim o país teve um déficit público de cerca de R$ 71,0 bilhões porque teve despesas financeiras de R$ 84,6 bilhões. Ou, em outras palavras, em apenas um semestre foi transferido aos aplicadores financeiros cerca de 8,5% do PIB nacional de 1999, estimado pelo próprio governo nos acordos com o FMI.
Mais grave: a componente financeira é, além da maior componente de gasto público, a que mais foge ao controle dos gestores da políitica econômica do país, na medida em que o seu volume não para de subir (no primeiro semestre do ano, passou de 42,6% do PIB estimado em Dezembro de 1998 para 49,8% do PIB estimado em fins de Junho de 1999) enquanto que as taxas de juros que incidem sobre a dívida estiveram em patamares tão díspares quanto 40% e 20% ao ano, dependendo da época, ao longo do primeiro semestre do ano.
Do outro lado, estão os gastos não-financeiros do Governo, aqueles aprovados no Orçamento para 1999 votado pelo Congresso, e que já embutiam metas que estavam em negociação com o FMI no último quadrimestre do ano passado (por exemplo, um superávit primário anual de 1,8% do PIB em 1999, previsto no primeiro Memorando de Política Econômica encaminhado pelo Ministério da Fazenda brasileiro ao FMI). Para a obtenção daquele resultado, entre o primeiro projeto de lei orçamentária, apresentado pelo Executivo Federal em 31 de Agosto de 1998 e o segundo projeto (encaminhado ao Congresso Nacional em 09 de Novembro de 1998, e que já embute metas negociadas com o FMI), os investimentos públicos federais caíram de R$ 8,2 bilhões para R$ 4,9 bilhões.
Bem, pois do orçamento de investimento já bastante reduzido (comparar os números referentes ao investimento público com os montantes referentes aos pagamentos financeiros sempre ajuda a dar uma idéia das prioridades orçamentárias no país) apenas cerca de R$ 700 milhões foram executados até meados do ano.
Para um conjunto de políticas sociais monitoradas pelo INESC (Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, de Brasília), que inclui os programas agrário, agrícola, ambientais, de apoio a populações indígenas, criança e adolescente, Fundo Nacional de Assistência Social, Política Urbana e Rede de Proteção Social, de um total de R$ 12,8 bilhões previstos, foram gastos menos de R$ 900 milhões até fins de março, com compressão particularmente expressiva de gastos nas áreas de saneamento, habitação, meio ambiente (não é a toa que recentemente o próprio Ministério do Meio Ambiente se disse sem recursos para o combate às queimadas que tomaram conta de parte do país a partir de Agosto), populações indígenas e na já pouco expressiva verba colocada à disposição do Programa de Garantia de Renda Mínima para esse ano. Há que se lembrar ainda que as áreas de Saúde e Educação só não figuram nesta lista, embora atingidos também por cortes onde foi possível pela gestão orçamentária do Executivo Federal, em função de que parcela expressiva do orçamento dessas áreas está composta de verbas vinculadas.
E mesmo para os gastos da chamada Rede de Proteção Social, acordados entre o Brasil e o Banco Mundial e Banco Interamericano (em empréstimos que estão em discussão no Senado Federal), as metas de execução orçamentária não estão sendo cumpridas, como denunciaram já vários senadores no debate parlamentar e também em artigos publicados na imprensa nacional (por exemplo, Folha de S.Paulo, 04/06/99).
Assim, o discurso da ficção das contas públicas em ordem acaba escondendo pelo menos duas duras realidades no Brasil de 1999 as contas públicas estão severamente desequilibradas pela componente financeira, de um lado, e o frágil superávit primário no orçamento se dá pela não-liberação de uma série de recursos previstos no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional especialmente para a área social e que, teoricamente, devia ser a expressão técnica de decisões e acertos políticos efetivados naquela casa legislativa que tem o poder de deliberar sobre o Orçamento Nacional.
O Executivo está, desta forma, mais uma vez subtraindo poderes do Legislativo, para não falar na pressão sobre a autonomia dos Estados e Municípios que implica a tentativa de impor as suas (do Executivo Federal) prioridades orçamentárias sobre aqueles outros níveis da administração pública que têm suas próprias prioridades e diretrizes orçamentárias.
(*) Economista e Técnico do DIEESE-RJ.
fonte: AFUBESP