Debate na Alesp reafirma necessidade da retirada do lixo radioativo de Interlagos
O representante da empresa INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e os técnicos da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) bem que tentaram, mas não conseguiram convencer os bancários de que o lixo radioativo estocado ao lado do CASA III não representa risco para os moradores e trabalhadores da região. Ao contrário, após tudo o que foi exposto no debate realizado segunda-feira, 22, no auditório Teotônio Vilela da Alesp (Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo), reforçou-se a convicção de que o material precisa ser retirado o mais rápido possível e o local descontaminado.
No início dos trabalhos o deputado Ítalo Cardoso, um dos organizadores do evento, relatou o histórico do problema representado pelo armazenamento de rejeitos radioativos por parte da INB (ex-Nuclemon Minero Química), que já foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de São Paulo em 1991. “Quando fechou USAM (Usina de Santo Amaro) retiraram o material, que não podia ficar lá, e o levaram para a USIN (Usina de Interlagos).”
O parlamentar denunciou que os produtos estão armazenados de forma inadequada e alertou para os riscos de vazamento ou acidente. “Qualquer pessoa pode pular aquela cerca e adentrar ao local”, exemplificou.
A auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego Fernanda Giannasi, que acompanha o assunto há bastante tempo, fez uma breve explanação sobre as causas da situação. “O problema dos rejeitos radioativos é conseqüência da opção dos governos militares por um Brasil nuclear”, avaliou. Segundo ela, essa escolha não foi acompanhada de medidas para proteger a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente. “Se vamos continuar nessa opção, teremos que ser mais responsáveis.”
Giannasi afirmou que em Interlagos existem bombonas danificadass e estufadas, com sinais de vazamento. “Além disso, existe um recalque (afundamento) do piso, em razão do excesso de carga.” A auditora revelou a detecção dentro do galpão da produção de gás radônio e que, entre as bombonas com mesotório, a radiação é muito acima dos padrões normais. E apresentou dados do Relatório Acadêmico Nacional de Ciências dos EUA, para concluir: “não há limite seguro para exposição de pessoas à radiação”.
O gerente de Meio Ambiente da INB, Robson Spinelli, reconheceu a existência de radiação acima do normal dentro do galpão, mas garantiu que os trabalhadores e os moradores próximos “não correm nenhum risco”. A empresa, segundo ele, tem 18 pontos de coleta ambiental no terreno. “Não há evidência de vazamentos e as medições indicam índices aceitáveis.”
Spinelli também admitiu que os materiais estocados produzem gás radônio, explicando que, antes de qualquer pessoa adentrar ao galpão, as portas precisam ser abertas por alguns minutos para “arejar” o local.
Quanto ao recalque do piso, o representante da empresa assegurou que já foi feito um laudo estrutural para correção do problema. “Estamos analisando agora como vamos fazer o remanejamento das bombonas que estão tortas em função do terreno ter cedido.”
Mesmo garantindo que o depósito não oferece perigo, o representante da INB informa que a companhia não tem interesse em manter o terreno. “Queremos levar esse material para um depósito definitivo, mas essa definição não depende de uma decisão técnica, mas sim política.” Isto porque, o governo e os órgãos de fiscalização precisam encontrar um novo local para o armazenamento dos rejeitos. O problema é que nenhum estado ou cidade deseja essa incumbência.
Inclusive, boa parte do material da ex-Nuclemon estava sendo estocado em Caldas, Minas Gerais. Entretanto, o governador da época Itamar Franco proibiu a continuidade da transferência do lixo radioativo de São Paulo para aquele estado.
Robson Spinelli relatou aos presentes que ele foi a pessoa convidada pelo Santander a fazer palestra sobre o tema aos funcionários do CASA III, na qual os dirigentes sindicais e das entidades de representação não tiveram acesso.
Goro Hiromoto, físico do Ipen, também procurou tranqüilizar os trabalhadores e moradores da região. “Hoje, eu posso dizer que o risco (à saúde) é desprezível.” Ele, porém, deixou uma dúvida no ar: “Eu não quero dizer que será desprezível daqui a 10 anos”.
O depoimento que mais irritou o plenário foi o da pesquisadora da CNEN, Ana Maria Xavier. Após declarar que o material estocado em Interlagos não oferece risco à saúde, ela explicou que a radiação pode provocar câncer. “É o que chamamos de probabilidade.” E, demonstrando insensibilidade para com a preocupação dos presentes, afirmou: “25% da população mundial morre de câncer… é uma das formas de morrer.”
Ao final dos debates, o deputado Sebastião de Almeida, o outro organizador do evento, informou que, juntamente com Ítalo Cardoso, encaminhará requerimento para que o assunto venha a ser debatido na Comissão de Meio Ambiente da Alesp. “Não é possível que o ser humano não tenha condições de encontrar uma saída para o problema.”
Participação dos Trabalhadores do Grupo Santander Banespa
Dirigentes da Afubesp, Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Fetec/CUT-SP e CNB/CUT acompanharam os depoimentos, colocaram as preocupações dos funcionários do banco e fizeram questionamentos aos especialistas.
Marcos Benedito, secretário-geral da Afubesp, lamentou o fato de a direção do Santander Banespa não ter enviado representante à Alesp. “O banco errou ao levar 3 mil trabalhadores para o CASA III, pois já havia essa polêmica, e não está assumindo sua responsabilidade.”
Diversos trabalhadores da antiga Nuclemon também acompanharam a discussão. Eles movem processo contra a atual INB em razão de terem tido a saúde debilitada pela radiação a que foram expostos durante o período em que atuaram na empresa.
O debate foi organizado pelos deputados Ítalo Cardoso, presidente da Comissão dos Direitos Humanos, e Sebastião de Almeida, presidente da Comissão de Meio Ambiente (ambos do PT), após denúncias apresentadas por Marcos Benedito, da Afubesp, José Osmar Boldo, diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, e Adalto Uchoa, diretor da Fetec/CUT-SP.
Resultados positivos
Durante o evento, duas informações importantes foram passadas aos trabalhadores do Grupo Santander Banespa. A analista pericial da Procuradoria Geral da República, Maria Geraldina Salgado, após ouvir os depoimentos, informou que estava ali a pedido da procuradora da República do Estado de São Paulo, Roseane Campioto, para iniciar um relatório sobre o caso. Requisitou os documentos apresentados no debate, dizendo que faria, juntamente com a procuradora, uma vistoria na INB já nesta terça-feira, dia 23. “Vou analisar todos os lados da questão para subsidiar o trabalho da procuradoria da República do Estado de São Paulo.”
Outro resultado positivo foi a proposta apresentada pela auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego Fernanda Giannasi. Ela sugeriu que o Sindicato dos Bancários e as entidades de representação ingressem com uma ação na Justiça para obrigar o banco a pagar índice de periculosidade aos funcionários do CASA III. A auditora se propôs a fazer o laudo sobre o risco que esses trabalhadores estão expostos.
De acordo com os dirigentes, a idéia tem o mérito de mexer com a única coisa com que o banco realmente se preocupa: o bolso. Eles ficaram de analisar a proposta.
fonte: Airton Goes – Afubesp