CUT quer taxar em 1,5% a renda dos ricos
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) quer a criação de um imposto sobre grandes fortunas para financiar um fundo solidário que subsidie o aumento do salário mínimo a longo prazo. A alíquota média seria de 1,5% sobre o rendimento anual dos contribuintes.
João Felício, presidente da Central, diz que a idéia é cobrar o imposto de uma única vez ao ano das cerca de 300 mil famílias brasileiras que têm patrimônio acima de R$ 2,4 milhões. Com o valor arrecadado, seria possível manter um fundo por sete anos para conceder aumento real de 9% ao mínimo por ano, durante sete anos.
“Não é aumento de carga tributária. O imposto solidário sobre grandes fortunas é uma forma mais justa de distribuir renda e de fazer uma política permanente de valorização do salário mínimo.”
O projeto será apresentado nesta quinta-feira, dia 3, às centrais sindicais e encaminhado ao presidente Lula e ao ministro Antonio Palocci (Fazenda).
Em entrevista à Folha, o presidente da CUT afirma que a crise política não afetou a central nem os cerca de 3.000 sindicatos filiados à entidade. Leia a seguir trechos da entrevista com Felício.
Folha – Qual é a política que a CUT defende para o salário mínimo?
João Felício – A idéia é criar um imposto solidário sobre grandes fortunas. As 300 mil famílias com patrimônio acima de R$ 2,4 milhões pagariam uma única vez ao ano um imposto de 1,5%, em média. Os R$ 23,8 bilhões arrecadados com a cobrança custeariam um fundo de solidariedade, que permitiria conceder aumento real de 9% ao ano para o salário mínimo durante sete anos.
Folha – De que forma isso seria feito? Haveria uma lei específica?
Felício – Vamos discutir hoje a proposta com as centrais e
encaminhá-la ao governo. A CUT quer um projeto de lei que estabeleça esse aporte de recursos. É uma forma justa de distribuição de renda e vai envolver um segmento da sociedade que acumula riqueza, seja por origem, por herança, ou porque é privilegiado. Não é uma idéia socialista, porque só em países capitalistas há acumulação de riqueza. Também não é confisco de propriedade privada nem de herança. É solidariedade.
Folha – O fundo seria administrado pelo governo?
Felício – Seria tripartite, com representantes das centrais sindicais, dos empresários e do governo. Não adianta dizer eternamente que o salário mínimo é baixo e não encontrar uma solução concreta. Nós temos de sair dessa lengalenga que acontece todos os anos quando se discute a questão: os pequenos empresários dizem que não podem pagar, as prefeituras afirmam que não têm caixa e o Ministério da Previdência fala que não tem como arcar com o impacto de um aumento maior.
Folha – No passado, já houve tentativa de se taxar heranças…
Felício – Vários projetos de lei tramitaram ou ainda tramitam para constituir o imposto sobre grandes fortunas, que está previsto até na Constituição, mas não foi regulamentado. No passado, quando senador, Fernando Henrique Cardoso apresentou um projeto assim como a bancada do PT [propôs emenda durante discussão da reforma tributária com a criação de um imposto sobre grandes fortunas], com aval na época do ministro Antonio Palocci. Esse inclusive vai ser o nosso trunfo para negociar com ele.
Folha – Se a criação não for aceita pelo governo, nem pelo Congresso, o que a CUT planeja fazer?
Felício – Se a idéia não for aceita, vamos defender que o salário mínimo seja de R$ 400 em 2006 e de R$ 525 em 2007. Dessa forma, o governo Lula chegaria no final de seu mandato cumprindo a promessa de dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo.
Folha – A crise política fez algum estrago na CUT? Fortaleceu a principal concorrente, a Força Sindical?
Felício – Não. Fico perplexo com essas análises. A Força Sindical informa que está crescendo. Digo o mesmo. Neste ano, saíram 30 sindicatos da CUT, o que não é diferente da média de anos anteriores. De janeiro até agora, entretanto, entraram 99 novos sindicatos, o que me surpreendeu.
Folha – Os sindicatos filiados à CUT intensificaram as manifestações para marcar independência em relação ao governo?
Felício – No ano passado, os sindicatos também fizeram manifestações. Não houve mudança de atitude. A CUT não está silenciada nem imóvel diante da crise.
Folha – O fato de pessoas que já passaram pela CUT estarem sob suspeita não abala a central?
Felício – Não, em absolutamente nada. As pessoas que saíram da CUT não são mais da CUT. Ocuparam cargos de destaque na central e, particularmente, não desconfio dessas pessoas no que se refere a enriquecimento pessoal.
Folha – Quem são essas pessoas?
Felício – Falo de Delúbio [Soares, ex-tesoureiro da CUT e do PT], de sindicalistas que passaram por aqui e de alguns ministros do governo. Pode ter ocorrido um comportamento inadequado no que se refere à busca de recursos para financiamento de campanhas. É bom deixar claro que caixa dois existe em todos os partidos políticos. Na CUT nunca teve caixa dois, não tem e jamais terá.
fonte: Claudia Rolli e Fátima Fernandes – Folha