CONSEQÜÊNCIAS DE EVENTUAL ADIAMENTO DO LEILÃO DO BANESPA
“Conseqüências de eventual adiamento do leilão do Banespa”
Desde dezembro de 1994 com a decretação do Regime de Administração Especial Temporária (RAET), que o Governo Federal explicitou sua intenção de privatizar o Banco do Estado de São Paulo – Banespa. Ao longo deste período assistiu-se a uma ampla mobilização da sociedade paulista, na direção da defesa desta instituição pública, face à sua importância no desenvolvimento sócio-econômico do Estado. A expressiva participação de prefeitos e vereadores (de praticamente todos os partidos), da sociedade civil organizada e dos funcionários, serve de registro do apreço social pelo banco.
Neste processo de resistência contra a privatização, evocar a justiça foi uma das formas de explicitar as incorreções legais neste processo. Este foi o caso, por exemplo, do Ministério Público Federal que em 08 de fevereiro de 2.000 propôs uma Ação Cautelar de Improbidade. Nessa Ação, o Ministério Público arrolou 22 ilicitudes cometidas na condução deste processo, sendo onze (11) ilicitudes no histórico da venda do banco e outras oito (08) no edital do Banco Central que contratou o Consórcio Fator para a modelagem e avaliação do patrimônio do Banespa.
Com o intuito de defender a posição do Governo Federal, no dia 29 de fevereiro de 2.000 o Banco Central divulgou a Nota Técnica n.º 02/2000, “Conseqüências de eventual adiamento do leilão de Banespa”, na qual são apresentadas as prováveis conseqüências danosas à União, ao Banespa e à sociedade em geral, do adiamento da transferência do controle acionário do Banespa.
Este texto pretende apresentar, sucintamente, alguns comentários críticos aos termos referidos no supracitado documento do Bacen, doravante denominado NT/Bacen.
1. Das Conseqüências sobre a União
Segundo a NT/Bacen, a União ao assumir o controle acionário do Banespa incorporou ao seu Ativo R$ 2.075 milhões em ações do banco e, em seu Passivo, títulos de sua emissão no valor correspondente, que geram despesas de juros à taxa de 19% a.a..
Desta forma,
“(…) o adiamento da venda do banco pelo prazo de seis meses implicaria na realização, pela União, de despesas com juros além do previsto no valor de R$ 189 milhões. No caso do adiamento por um ano os juros adicionais seriam de R$ 394 milhões.”
Este é o argumento central da NT/Bacen: os recursos oriundos do leilão de privatização do Banespa seriam utilizados para abater o estoque da dívida líquida do setor público e, consequentemente, reduzir seus encargos.
É sabido, conforme reza a Lei das S/A, que as empresas são obrigadas a distribuir parcela de seus resultados para os acionistas. Logo, uma vez que a União apresenta-se como detentora de 33,33% do capital do banco, aliás fato contestado na Ação do MP, o argumento da NT/Bacen relativo aos gastos adicionais com juros, somente seria válido se o banco não obtivesse resultados positivos.
Entretanto, a história recente, tem demonstrado o contrário. Nos últimos quatro anos, de 1996 a 1999, o lucro acumulado alcançou, em valores correntes, R$ 4.658 milhões. Acrescente-se a isto, o fato de o banco ter obtido elevadas taxas de retorno sobre o capital: 52,2% em 1996 e 51,9% no ano seguinte, taxas bastante superiores ao custo de oportunidade apresentado no argumento da NT/Bacen.
Além disto, deve-se lembrar que a redução do estoque da dívida pública com utilização dos recursos arrecadados nos leilões de privatização não tem se verificado, ou seja, apresenta-se mais como um instrumento de retórica frente à trajetória de crescimento exponencial da dívida. Senão, vejamos.
O processo de privatização teve início em 1991 e, segundo o BNDES (ver “Resultados Gerais da Privatização” em http://www.bndes.gov.br), apresentou até janeiro de 2000 uma receita consolidada com as vendas, de US$ 71,9 bilhões, que somada às dívidas transferidas, US$ 17,8 bilhões, apresentam um resultado total de US$ 86,7 bilhões. Em contrapartida, segundo o Banco Central, a dívida líquida do setor público em dezembro de 1994 era de R$ 153,1 bilhões saltou para R$ 516,6 bilhões em dezembro de 1999, um crescimento médio de 27,5% ao ano, ou 237,4% no período.
Consequentemente, os pagamentos dos encargos da dívida também têm crescido. Segundo dados do Banco Central, em 1994 foram despendidos R$ 27,1 bilhões, em 1998, R$ 72,5 bilhões, e no último ano 13,1% do PIB foram gastos com o pagamento de juros. O custo de endividamento alcançou em 1999, R$ 130,1 bilhões.
Verifica-se assim que ao contrário da tese do Executivo – segundo a qual o processo de privatização possibilitaria uma redução no estoque da dívida -, o fato é que a dívida pública apresentou um espetacular crescimento, e que os recursos provenientes da privatização além de não possibilitar a redução de seu estoque, são insuficientes inclusive para cobrir os encargos financeiros de uma dívida que, por sua vez, só tem crescido ao sabor de uma política econômica que traz intrinsecamente a necessidade de manutenção de elevados patamares da taxa de juros interna.
Ressalte-se que a resistência da equipe econômica em não alterar a taxa de câmbio resultou em uma elevação da taxa de juros (over/selic) em setembro de 98 de 19,2% para 34,3% e em março de 1999 de 39,0% para 43,2% causando, esta sim, violento impacto no custo da dívida interna pública. Para melhor exemplificar o impacto dessa política pode-se citar a própria NT/Bacen,
“(…) a elevação (ou seu equivalente, o adiamento da queda) da taxa de juros em apenas um ponto percentual, isto já significaria um custo adicional no serviço da dívida pública da ordem da R$ 4 bilhões de Reais (…)”.
2. Das Conseqüências sobre o Banespa
Em essência, a NT/Bacen argumenta que,
“(…) a continuidade da gestão da instituição pelo Governo Federal, gestão esta necessariamente conservadora, não só pelas restrições legais a que estão sujeitas entidades do setor público como, principalmente, pela transitoriedade dos administradores federais, que leva o banco a adiar decisões estratégicas de atuação no mercado financeiro.”
Ou seja, postula-se que o adiamento implicará na prorrogação de uma situação de gestão operacional e estratégica insustentável, afetando a competitividade da instituição frente a seus concorrentes diretos.
Em que pese seja verdadeiro que desde a decretação do RAET as estratégias das administrações que passaram pelo banco caminharam na direção da preparação do banco para a venda ou liquidação, o argumento dos danos à situação econômico-financeira da instituição pode ser refutado, se observada a evolução de indicadores da instituição nos últimos anos, período no qual foi mantido constante debate acerca de sua transferência patrimonial.
Como exemplo da solidez e efetiva credibilidade social (de indubitável valor para uma instituição financeira), fruto inclusive do respeito à qualidade técnica de seu corpo funcional, é perfeitamente possível verificar tais assertivas por vários indicadores. Por exemplo: o crescimento dos Depósitos à Vista e de Poupança 25,61% (ver Tabela 1), e a manutenção da clientela: 2,7 milhões de correntistas (pessoas físicas) e os 107 mil correntistas (pessoas jurídicas) do banco.
Tabela 1
Banespa: Evolução dos Depósitos
(Em milhões reais de nov/99 – IGP/DI)
Conta
Dez/ 93
Nov / 99
Variação
Depósitos à Vista
1.434,8
2.335,3
62,7%
Depósitos de Poupança
2.150,1
2.700,8
25,6%
Fonte: Demonstrações Contábeis.
Além destes indicadores, ressalte-se que o Banespa não se encontra em nenhuma situação emergencial, expressa, por exemplo, na condição de ter que fazer uso ocasional ou sistemático de recursos do mercado interbancário ou mesmo das linhas de assistência de liquidez do Bacen. Muito ao contrário, o banco apresenta-se adequadamente capitalizado – 41,82% em junho de 1999, muito acima dos 11% exigidos pela Resolução 2.099/94 do Conselho Monetário Nacional -, perfeitamente líquido e com resultados expressivos em termos de rentabilida
fonte: AFUBESP