Banco substitui estado e município na cobrança de tributos
Sem força para convencer senadores a contrariar o interesse de prefeitos em ano de eleição, o governo federal não teve condições de barrar a autorização para estados e municípios entregarem a bancos a cobrança de tributos atrasados. Mas conseguiu impedir que o Senado desse aos bancos, nos contratos de terceirização da cobrança, livre acesso a impostos federais rateados com prefeitos e governadores. Os contratos podem ser assinados desde 14 de julho, quando a autorização, na forma de projeto de resolução do Senado, foi publicada no Diário Oficial da União.
A resolução, aprovada pelos senadores em plenário dois dias antes da publicação, permite que as instituições financeiras persigam inadimplentes em troca de antecipação, ao município ou ao estado, de parte do valor do imposto. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) incluíra no texto uma garantia de devolução do adiantamento, caso a cobrança falhasse. Seria a cota da prefeitura ou do estado no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e no Fundo de Participação dos Estados (FPE). Ambos são fornidos com recursos do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A garantia foi derrubada no plenário. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), argumentou que desestimularia a cobrança efetiva do imposto e afrontaria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Diante de tal garantia, o contrato dos bancos com prefeitos e governadores funcionaria, na verdade, como um empréstimo. Mascararia uma operação do tipo de Adiantamento de Recursos Orçamentários (AROs), restringida pela LRF.
Lobby de prefeitos e bancos
A garantia do FPM e do FPE não constava da proposta original, de autoria do senador Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ). Foi adicionada por sugestão do senador Edison Lobão (PFL-MA). Lobão alegou que os bancos não poderiam correr o risco de perder o dinheiro do adiantamento, caso não recuperassem o imposto.
Tanto Cabral quanto Lobão integram a bancada de senadores que, na campanha de 2002, receberam doações de bancos declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao todo, 19 senadores (23% do total) foram agraciados pelas instituições em 2002. A doação à bancada atingiu R$ 3,1 milhões, segundo o TSE. (Confira a lista de doadores e beneficiados).
A relação estreita entre o Senado e os bancos, evidenciada no volume de doações e no total de beneficiados, facilitou a aprovação do projeto. Mas a pressão dos prefeitos foi decisiva.
A aprovação foi uma das principais bandeiras da marcha de prefeitos realizada em Brasília no fim de abril. O lobby teve o comando da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A entidade percorreu diversos gabinetes e obteve do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o compromisso de votação do projeto, quando houvesse espaço na pauta do plenário, então bloqueada por medidas provisórias (MPs) vencidas.
A CNM apostou – e venceu – que o Senado não teria coragem de enfrentar prefeitos em ano eleitoral. Aliás, a projeto de Cabral Filho foi elaborado por técnicos da própria CNM. A entidade diz que as prefeituras não têm estrutura para cobrar dívidas que totalizariam R$ 220 bilhões. A permissão para os estados também terceirizarem a cobrança surgiu na tramitação do projeto no Senado. Não constava da proposta original.
Graças ao lobby de bancos e prefeitos, o Senado ignorou a argumentação de que o projeto seria inconstitucional. Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional afirma que, pela Constituição, é proibido repassar a agentes privados funções típicas de estado, como a cobrança de impostos.
A Procuradoria defendia que, pelo menos, o Senado obrigasse estados e municípios a realizar licitação para escolher o banco que fará a cobrança, para dar mais transparência ao processo. A recomendação também foi ignorada. A escolha será feita apenas com base na preferência do prefeito ou do governador.
fonte: André Barrocal – Agência Carta Maior