ARTIGO DE CLÓVIS ROSSI DESNUDA SENTIMENTOS DE QUEM MORA NAS GRANDES CIDADES.
“Cansei. Quero de volta a minha cidade. Quero poder andar com os vidros do carro abertos sem a certeza de que vou ser asfixiado pela cusparada de fuligem de um ônibus mal regulado ou a de que vou sentir o cano de uma arma na têmpora.
Quero ter o direito de olhar para as crianças da minha cidade com amor ou até com indiferença, se for o caso, mas sem medo.
Quero olhar os baixos dos viadutos como aleijões urbanos que invariavelmente são (e em qualquer lugar do mundo), mas não como depósitos de seres que um dia foram humanos e hoje são dejetos do capitalismo.
Quero pagar impostos com o prazer de saber que o dinheiro pode até ser usado em obras inúteis ou não prioritárias. Mas que não irá diretamente para os bolsos das máfias enquistadas no poder público.
Quero olhar o policial como agente da lei e da ordem, como alguém que está do meu lado. Não como um boneco impotente, ainda que armado, ou como um agente da truculência ou do banditismo.
Quero passar o fim-de-semana na praia, ainda que suja, ou no campo, ainda que não tenha mais o silêncio de antanho. Só não quero passá-lo na estrada, preso em algum dos megacongestionamentos que se tornaram o martírio de quase todos a cada feriado que estica o fim-de-semana.
Quero sair de casa para um compromisso com a antecedência correspondente à distância que me separa do local do encontro. Não com o enorme acréscimo obrigatório para superar a massa de veículos que disputam cada centímetro quadrado do meu chão.
Não estou pedindo nada que não me seja devido. Paguei por isso a vida toda, na forma de impostos e pedágios, IPVAs e ISSs, contribuições e confiscos de diferentes naturezas.
Só quero, pois, de volta a cidade que nos roubaram pouco a pouco, sob nosso silêncio covarde, até que ela se transformou nesse sórdido acampamento que é hoje.”
fonte: AFUBESP