ARTIGO CRÍTICA “ERRO” DA BOOZ ALLEN NA AVALIAÇÃO DO BANESPA E AFIRMA QUE CONSULTORIA É REINCIDENTE
Artigo assinado por Carlos Eduardo Carvalho critica o fato de o governo continuar contratando consultorias, como a Bozz Allen, que cometem “erros” grosseiros capazes de causar graves prejuízos ao Tesouro.
O texto, publicado na sessão Dinheiro da Folha de S. Paulo, nesta quarta-feira, 18, afirma que é difícil saber por que a empresa reduziu o valor do Banespa em R$ 1,198 bilhão. “Incompetência, má-fé, desleixo?”, é a pergunta que deixa no ar, cuja reposta todos os paulistas e brasileiros gostariam de saber.
Veja o excelente artigo na íntegra:
OPINIÃO ECONÔMICA
Erros da Booz Allen no Banespa e nos bancos federais
CARLOS EDUARDO CARVALHO
Um “erro” da consultoria Booz Allen reduziu em R$ 1,198 bilhão o valor do Banespa e causaria enorme prejuízo ao Tesouro não fosse a ação do TCU, como informou a Folha no último dia 5. Incompetência, má-fé, desleixo? É difícil saber ao certo, até porque a consultoria é reincidente na falta de rigor, como se verifica no relatório “Alternativas para a Reorientação Estratégica das Instituições Financeiras Públicas Federais”, divulgado no final de junho pelo consórcio Booz Allen & Hamilton – Fipe, sob encomenda do governo federal.
Trata-se de documento repleto de afirmações de efeito, mas sem nenhum embasamento técnico digno desse nome. O caso mais comentado foi a projeção de prejuízos expressivos dos bancos federais nos próximos anos, para o que não é apresentada fundamentação consistente. Além de previsões de resultados de instituições financeiras em período extenso produzirem resultados frágeis em qualquer parte atualmente, o relatório não informa a metodologia adotada e inclui, na base de referência, os anos de 1994-95, período de adaptação dos bancos à inflação baixa e no qual o Banco do Brasil arcou com boa parte dos custos da política de estabilização na época.
No exame dos prejuízos do BB no período, a Booz Allen não discute a questão polêmica da responsabilidade pelas perdas, se foi do próprio banco ou da política do governo para o banco. Nessa segunda hipótese, vale lembrar, o Tesouro iria arcar com o prejuízo, fossem as políticas feitas pelo BB, pelo Tesouro ou por bancos privados operando para o governo.
Outro problema dos bancos federais apontado pelo relatório seria a “sobreposição” de agências e pontos de atendimento “não-rentáveis” em diversas regiões do país. O documento não esclarece quanto pesam essas dependências no gasto total de cada um dos bancos analisados. Nem explica o que entende por agência “não-rentável”, conceito que pode parecer intuitivo, mas que está longe de ser simples para a administração bancária.
Uma das questões mais graves do relatório é tratar como verdade demonstrada a tese de que o setor privado poderia fazer mais barato e melhor diversas atividades hoje desempenhadas pelos bancos públicos. Até agora não apareceu nenhuma prova de que custaria menos para os governos (federal, estaduais e municipais) trabalhar com os bancos privados para a realização dos serviços financeiros desempenhados até aqui pelos bancos públicos. Uma afirmação dessa natureza deveria estar amparada por indicadores confiáveis, cálculos de custos das operações dos bancos federais para o Tesouro comparáveis com uma tabela de cobrança de serviços pelos bancos privados que poderiam substituí-los. Não há nada disso. Há apenas a tese, tipicamente fundamentalista, de que os bancos privados fariam mais barato porque são bancos privados e ponto!
O relatório não se dá ao trabalho de discutir essas e outras questões. O mais espantoso é que, mesmo adotando um tom “isento” e “técnico”, admite que não houve pesquisa. Na página 1-8 do relatório lê-se que “as questões identificadas, de um modo geral, constam dos balanços das instituições”, “são do conhecimento do mercado” e “muitas foram objeto de reportagens na imprensa”. Para que então foi contratada uma consultoria se as informações já eram de domínio público? Nada disso impede seus autores de pontificar sobre questões complexas e apresentar propostas de “reestruturação” dos bancos federais, com sérias implicações para o desenvolvimento econômico e social do país.
É possível que tanta despreocupação com o rigor do trabalho advenha da expectativa de impunidade. Afinal, depois de criar o risco potencial de um enorme prejuízo para o Tesouro no caso do Banespa, a Booz Allen teria sofrido apenas uma “reprimenda” do Banco Central, ou algo assim.
Pelas chamadas “regras de mercado”, tão ao gosto do governo, a Booz Allen e seus associados locais estão certos ao vender caro serviços de baixa qualidade, se há alguém disposto a pagar por eles. Inaceitável é o governo brasileiro gastar fortunas por serviços ruins e que poderiam ser desenvolvidos pelas universidades públicas e pelos institutos de pesquisa do próprio governo.
Afinal, o que fez a Booz Allen no seu “trabalho” sobre os bancos federais? Subcontratou professores das universidades públicas, reuniu informações produzidas pelos próprios bancos federais, arrumou tudo em um relatório “técnico” e revendeu o “produto” ao próprio governo.
Belo exemplo da modernidade administrativa em prática no país. Belo exemplo daquilo que muitas consultorias entendem como eficiência, como a sua suposta capacidade de produzir avaliações mais “isentas” do que as universidades e as instituições públicas de pesquisa.
Carlos Eduardo Carvalho, 47, é economista e professor da PUC-SP.
fonte: AFUBESP