A cor desigual no sistema financeiro nacional
São 42% de negros e pardos na população trabalhadora fluminense, mas apenas 13% nas agências bancárias do Estado do Rio. A constatação faz parte da ação do Ministério Público do Trabalho (MPT) para fazer valer o Artigo 7, Inciso XXX da Constituição Federal que determina a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
O pontapé inicial na ação da Procuradoria foi dado em abril no Distrito Federal, onde a discriminação consegue ser menor que no Rio. Lá, são 19% de negros nos bancos contra 46% na força de trabalho. Mas a situação de segregação no Rio é menos grave que a constatada em São Paulo, onde somente 8% de negros ocupam cargos nos bancos. Lá há 28% de afro-descendentes na População Economicamente Ativa (PEA).
“As barreiras acabam sendo mais presentes no setor privado do que no público. Em Brasília, já foi constado que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é mais alto. O padrão educacional também, o que pode explicar um pouco essa situação melhor no Distrito Federal”, disse Marcelo Paixão, economista da UFRJ e especialista na questão racial.
Para ele, a segregação é mais intensa em São Paulo, porque os negros são uma minoria clara no estado: apenas 28% da força de trabalho. Assim, explica Paixão, as práticas discriminatórias são mais abertas e aceitas pela sociedade.
Mulheres recebem salário mais baixo
Aproveitando a campanha salarial iniciada este mês, na qual pedem reajustes de 11%, os bancários do Rio vão fazer manifestações nas portas das agências onde não há negros. Segundo o presidente do Sindicato dos Bancários do Município do Rio, Vinicius Assumpção, esse quadro é velho conhecido da categoria: “O tema da nossa campanha este ano é o fim do preconceito”.
Nas agências, onde há contato com o público, a situação piora. Mas não é muito melhor quando se observa a retaguarda das instituições. Almir Aguiar, digitador há 18 anos do Bradesco e diretor do sindicato, dividia o setor de processamento de dados com cerca de 400 colegas. Nas contas do bancário, apenas 50 tinham a sua cor: “Nas agências, nem isso. Para subir na carreira, a dificuldade aumenta. Vi pessoas com formação inferior sendo promovidas. Eu nunca fui”, conta o bancário, que faz faculdade de direito e está licenciado do banco há dez anos para trabalhar no sindicato. “Mas a situação não melhorou nesse período. Visito sempre o local e continua a mesma proporção de negros, mas caiu o número de funcionários.”
Procurado, o Bradesco informou, por e-mail, que a “política de gestão de pessoas do banco respeita as diversidades étnicas, culturais e religiosas. Isto está explícito, inclusive, no código de ética da organização”.
Segundo o vice-procurador-geral do MPT, Otávio Brito, a discriminação nos bancos é evidente:
“Com a ajuda do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do Dieese, cruzamos os dados da população, da força de trabalho e da escolaridade com as características do quadro de funcionários. A constatação é clara: há discriminação. Por isso, a ação.”
A situação no Rio retrata um quadro de desigualdade também contra as mulheres, principalmente quando se observa os ocupantes de cargos de chefia. Enquanto 54% são homens brancos, 38% são mulheres brancas. Os negros representam 5% e as mulheres negras, 3%.
Nos salários, a diferença também aparece. O homem negro ganha em média R$ 2.407, valor 20% menor que o recebido pelo branco. Apesar de representarem a maioria dos funcionários dos quatro maiores bancos pesquisados no Rio (55,4%), as mulheres ganham menos. As brancas recebem 78% do salário dos homens brancos, enquanto as negras, apenas 67%.
Conforme sobe a escolaridade, o salário também aumenta, porém, reproduzindo as diferenças raciais e de gênero. Para as mulheres negras, ter mais que o ensino médio permite aumentar em 38,75% o salário num dos bancos avaliados. Mesmo assim, continuam ganhando 32% menos que o homens com apenas ensino médio. Se comparada com os homens brancos que têm a mesma escolaridade, a diferença ainda é maior: o rendimento é 37% mais baixo: “Isso mostra que, independentemente da escolaridade, a discriminação permanece tanto para a mulher quanto para os negros”, afirma Brito.
fonte: O Globo – Cássia Almeida